A Declaração de 1776 não deixa dúvidas... O caráter diplomático e cuidadoso não vedava a sua principal motivação, ou seja, “as colônias estavam se declarando um Estado separado e igual e se apoderando de sua própria soberania”.
Somos levados a refletir também sobre a condição dos representantes franceses de 1789. Certamente eles ainda não se encontravam em condições ou prontos para rechaçar a soberania do monarca. Apesar disso, como informado anteriormente, estiveram bem perto de o fazê-lo, já que omitiram qualquer citação que fizesse referência ao rei na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”:
“Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional e considerando que a ignorância, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental, resolveram apresentar numa declaração (a autora enfatiza o termo) solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem”.
Vê-se que a Assembleia deixou claro que não desejava apresentar discursos ou projetos de leis sobre questões determinadas. Cravou que sua pretensão era maior, ou seja, havia redigido “para a posteridade que os direitos não fluíam de um acordo entre o governante e os cidadãos”... De modo algum eles resultavam de “petições ao monarca” ou se efetivariam a partir de “uma carta concedida por ele”.
(...)
Tanto no caso
norte-americano como no caso dos franceses, os declarantes apresentavam-se como
confirmadores de direitos que há muito existiam e que não podiam ser
questionados por nenhum poder estabelecido. Colocando-se nesses termos,
provocavam “uma revolução na soberania e criavam uma base inteiramente nova
para o governo”.
A
Declaração norte-americana acusava o rei Jorge III de ter desrespeitados os
“direitos preexistentes dos colonos”. Isso justificava o rompimento e o
estabelecimento de um governo independente:
“Sempre que qualquer Forma
de Governo se torne destrutiva desses fins (assegurar os direitos), é Direito
do Povo alterá-la ou aboli-la, e instituir novo Governo”.
Os representantes
franceses afirmaram que os direitos haviam sido “ignorados, negligenciados ou
desprezados”... Obviamente a sentença os exime de qualquer pretensão em relação
à criação dos direitos, mas ressaltaram que a partir da Declaração os direitos
deveriam “constituir o fundamento do governo”. Salienta-se que os direitos já
existiam, mas eles não eram respeitados ou garantidos pelo governo no passado.
Os deputados franceses colocavam-se como “defensores dos direitos” e
inauguravam um novo juízo político: a partir de então, os governos seriam
“justificados pela sua garantia dos direitos universais”.
(...)
A princípio, os norte-americanos não admitiram intenções de separarem os
territórios coloniais do poder inglês. Pelo menos durante a década de 1760 não
havia quem imaginasse que a reivindicação dos direitos os levasse a um
“território tão novo”. Os mais cultos mudaram sua sensibilidade e debateram a
respeito da tortura e dos cruéis castigos judiciais... Mas aconteceu que as
circunstâncias políticas os levaram a uma noção de direitos mais radical.
Lynn Hunt esclarece que durante o século XVIII havia entre os
norte-americanos “duas versões da linguagem dos direitos". Uma delas dizia
respeito aos direitos de um povo e suas tradições em particular (versão
particular; tradição nacional). A outra versão era universalista e dizia
respeito aos “direitos do homem em geral”.
Os
norte-americanos faziam uso de uma dessas linguagens, e eventualmente de ambas,
de acordo com a circunstância. Mas sobre isso trataremos na próxima postagem
relacionada ao livro.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_23.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto