Lynn Hunt reservou uma parte inteira de seu livro para tratar da importância das históricas Declarações. Logo no início apresenta a definição que o “Oxford English Dictionary” em sua edição eletrônica traz para o vocábulo “Declaração”:
“A ação de afirmar, dizer, apresentar ou anunciar aberta, explícita ou formalmente; afirmação ou asserção positiva; uma asserção, anúncio ou proclamação em termos enfáticos, solenes ou legais. (...) Uma proclamação ou afirmação pública incorporada num documento, instrumento ou ato público”.
Na sequência a historiadora apresenta questionamentos a respeito dos motivos de os direitos terem sido apresentados em declarações. Por que países e suas sociedades constituídas colocam como imprescindível a formalidade das Declarações?
Do que até aqui foi tratado podemos extrair uma resposta... Os que se mobilizaram contra torturas e castigos cruéis buscaram a confirmação das mudanças de posturas que se esperava. As Declarações de 1776 e de 1789 não só assinalavam as mudanças “nas atitudes e expectativas gerais” como tornavam patente o fim de uma soberania para o empoderamento dos que outrora eram subjugados. No caso norte-americano, o rei Jorge III e o parlamento da Inglaterra deixaram de exercer poder e influência sobre a América, que se tornou uma República... No caso francês, a Monarquia que se pretendia suprema declinou perante a transferência de sua autoridade para o povo e seus representantes.
Nos dois casos, vemos que todo enfrentamento contra torturas e crueldade dos castigos judiciais se juntou a várias outras demandas relacionadas a direitos humanos. A formalização de declarações serviu para apontar a relevância de tais direitos.
(...)
O
significado de “declaração” sofreu alterações no curso da História. Compreender
essas alterações ajuda-nos a entender a ênfase sugerida pela autora.
Ao resgatar as
significações de “declaração”, Lynn Hunt explica a relação com “soberania”, A
“declaration” inglesa origina-se da palavra francesa de mesma grafia que, em
suas origens, “se referia a um catálogo de terras a serem dadas em troca do
juramento de vassalagem a um senhor feudal”.
No decorrer do século
XVII, “declaration” relacionou-se “às afirmações públicas do rei”, e isso quer
dizer que “declarar” passou a ser prerrogativa dos soberanos. De outro modo
podemos dizer que os senhores feudais perderam o poder para o rei e que, assim,
o poder de fazer declarações “mudou de mãos”.
Entre os ingleses, a partir do momento em que os governados (súditos)
passaram a exigir que os monarcas reafirmassem seus direitos, adotaram a
prática de redigir seus termos. Assim se deu em 1215 por ocasião da do
juramento da Magna Carta, quando os barões do país obtiveram o reconhecimento
do rei em relação aos seus direitos. A “Petição dos Direitos” de 1628, que
ratificou “os diversos Direitos e Liberdades dos Súditos”, e a Bill of Rights
de 1689 (que sacramentou “os verdadeiros, antigos e indubitáveis direitos e
liberdades do povo deste reino”) são indicativos da prática.
Ao tempo da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, os
instrumentos das cartas e petições não davam conta da garantia que se esperava
obter do Estado Constituído em relação aos direitos... Petição e “Bill” diziam
respeito a solicitações, pedidos e apelos aos poderosos (Bill em sua origem se
tratava de uma “petição ao soberano”), enquanto que Carta era associada a um
documento ou escritura antiga...
Declaração tornou-se o termo adequado para os
dois episódios históricos citados... E o mesmo prevaleceu em 1948. Além de não
se relacionar a algo ultrapassado, Declaração não denota “submissão” e “podia
significar a intenção de se apoderar da soberania”.
Neste ponto, Lynn
Hunt destaca um fragmento da Declaração da Independência dos Estados Unidos
para evidenciar a explicação de Jefferson sobre a necessidade do documento (a
Declaração):
“Quando, no Curso dos
acontecimentos humanos, torna-se necessário que um povo dissolva os laços
políticos que o ligam a outro e assuma entre as potências da terra a posição
separada e igual a que lhe dão direito as Leis da Natureza e do Deus da
Natureza, um respeito decente pelas opiniões da humanidade requer que ele declare
(a autora dá ênfase à palavra) as causas que o impelem à separação”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_21.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto