Também na Grã-Bretanha ocorreu um debate em torno da versão universalista dos direitos durante os anos 1760... A verdade é que desde que a Bill of Rights de 1688 havia sido aprovada os britânicos não experimentavam grandes inquietações em torno da temática.
A autora esclarece que o número de publicações que tratava ou se referia a “direitos” diminuiu consideravelmente durante a primeira metade do século XVIII na Grã-Bretanha. A partir dos anos 1760, quando nos demais países europeus e na América do Norte tornou-se intensa a discussão a respeito da “lei natural” e dos “direitos naturais”, os ingleses perceberam a retomada e crescimento das publicações jurídicas.
Nota-se que durante certo período as versões particularistas e as universalistas dos direitos foram mescladas também entre os ingleses. Lynn Hunt cita um panfleto de 1768 no qual se denunciava o apoio dos aristocratas às “posições clericais na Igreja da Escócia”... A redação do panfleto fazia referência aos “direitos naturais da humanidade” e aos “direitos naturais e civis dos bretões livres”. O mesmo pôde ser observado nas pregações do religioso anglicano Willian Dodd em suas manifestações sobre o papismo que ele afirmava ser “incoerente com os direitos naturais dos homens em geral e dos ingleses em particular”.
Já o político John Wilkes era dos que invariavelmente recorria a argumentos que retomavam a ideia particularista dos direitos ao proferir frases iniciadas com o “vosso direito hereditário como ingleses” durante os anos 1760. No final dessa década e no início da de 1770 cartas anônimas publicadas contra o governo se referiam “aos direitos sob a tradição e a lei inglesas” ao tratarem dos “direitos do povo”.
(...)
Quando
teve início a guerra entre os colonos da América do Norte e a Coroa inglesa a
temática mais universalista dos direitos tornou-se comum nos debates e publicações
também no Reino Unido.
Em 1776 tomou-se
conhecimento de um panfleto cujo autor assinava simplesmente M.D. e em seu
conteúdo liam-se citações de Blackstone e afirmações sobre o caso da
emancipação norte-americana dando conta de que os colonos “carregam consigo
apenas aquela parte das leis inglesas que é aplicável à sua situação”... Desse
modo, a produção textual concluía que, dado que as iniciativas ministeriais
violavam “seus direitos naturais como homens (ingleses) e livres”, ocorria a
quebra do vínculo entre governo e súditos e, assim sendo, era de se esperar que
exercessem seus “direitos naturais”.
No mesmo ano, o
filósofo Richard Price publicou um panfleto no qual tornava explícito seu apoio
à luta dos norte-americanos e os defendia partindo de premissas universalistas.
“Observations on the Nature of Civil Liberty, the Principies of Government, and
the Justice and Policy of the War with America” teve várias reimpressões ainda
em 1776, inclusive em Dublin, Edimburgo, Charleston, Nova York e Filadélfia,
sendo ainda traduzido para o francês, alemão e holandês... Basicamente, Price
defendia os sediciosos norte-americanos partindo dos “princípios gerais da
Liberdade Civil”, ou seja, naquilo “que a razão, a equidade e os direitos da
humanidade propiciam”... Desse modo, pelo menos no caso norte-americano, colocava
num segundo plano os contratos, estatutos e cartas inglesas de outros tempos.
O tradutor holandês do panfleto de Price, Joan Derk van der Capellen tot
den Pol, escreveu-lhe no final de 1777 manifestando total apoio às
considerações do filósofo e à causa norte-americana:
“Considero
os americanos homens valentes que defendem de um modo moderado, piedoso e
corajoso os direitos que recebem, sendo homens, não do Poder Legislativo da
Inglaterra, mas do próprio Deus”.
Era
mesmo de se esperar que o panfleto de Price resultasse em manifestações
contrárias na Inglaterra. E foi exatamente isso o que aconteceu! Logo surgiram
cerca de trinta outros panfletos que o criticavam e o acusavam de “falso
patriotismo, partidarismo, parricídio, anarquia, sedição e até traição”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_62.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto