sexta-feira, 29 de maio de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – avalanche de críticas a Price, aos direitos naturais e inalienáveis; liberdade natural x liberdade civil obtida a partir de concessões; patriarcalismo, Robert Filmer e suas críticas a Grotius; a “lei positiva” e as críticas de Jeremy Bentham às ideias de Blackstone e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_29.html antes de ler esta postagem:

O panfleto de Price provocou uma série de críticas às suas posições em defesa do movimento norte-americano e ao mesmo tempo colocou as temáticas dos “direitos naturais da humanidade”, “direitos da natureza humana” e “direitos inalienáveis da natureza humana” nas agendas dos debates que aconteciam na Europa.
Entre as várias questões que se levantavam, Lynn Hunt aponta uma que era de capital importância: Afinal, “existem direitos inerentes à Natureza Humana, tão ligados à vontade que tais direitos não podem ser alienados”?
(...)
Para muitos, afirmar que “há certos direitos na Natureza Humana que são inalienáveis” não passava de sofisma. Se a pessoa deve “desistir do governo de seu ser pela sua própria vontade” (para que possa participar do “estado civil”), então positivamente há direitos que são alienáveis.
Pelo que se vê, o debate era dos mais intensos entre os ingleses, e alguns conceitos como “direitos naturais, liberdade civil e democracia” provocaram polêmicas. Os que fizeram oposição a Price ressaltaram que não se podia confundir liberdade natural com liberdade civil. Não é exagero pensar que esse embate prossegue até os nossos tempos.
Os que viam senões nas ideias defendidas por Price podiam destacar que os direitos naturais floresceram sempre em situações de confrontos com governos despóticos... Desse modo não seria absurdo afirmar que tais direitos seriam algo inventado, criado para reagir à opressão e, desse modo, não seriam “inalienáveis”. Seriam até mesmo “irrelevantes”.
(...)
Em meados do século XVII, Hobbes já argumentava a respeito da necessidade de os homens abrirem mão dos direitos naturais (sendo assim, novamente, não podem ser considerados inalienáveis) para que a organização civil embasada na ordem prevalecesse.
O teórico absolutista Robert Filmer colocou-se explicitamente contra as ideias políticas de Grotius e, em 1679, afirmou que a doutrina da “liberdade natural” não passava de um absurdo. Em sua obra “Patriarcha”, de 1680, opôs-se à “noção de igualdade e liberdade natural da humanidade” ao insistir que todos nascem dependentes e sujeitos aos pais... Sobre “direito natural”, tinha a dizer que só havia aquele (direito) que se relaciona diretamente ao “poder régio”, derivado do poder patriarcal confirmado nos “Dez Mandamentos”.
(...)
Já o filósofo Jeremy Bentham defendia que em vez de “lei ideal ou natural” as sociedades deveriam se organizar a partir da “lei positiva”. Em 1775, Bentham lançou uma crítica ao texto “Comentaries on the Laws of England”, de Blackstone. Seus argumentos rejeitam o conceito de “lei natural”:

                   “Não há isso que chamam de ‘preceitos’, nada que ‘ordene’ o homem a praticar qualquer um dos atos que se alega serem impostos pela pretensa ‘lei da Natureza’. Se algum homem conhece algum desses preceitos, que ele os produza. Se são produzíveis, não deveríamos nos dar ao trabalho de ‘descobri-los’, como nosso autor (refere-se a Blackstone) pouco depois nos diz que devemos fazer, com a ajuda da razão”.

Como se vê, Bentham não aceitava que a lei natural fosse inata e que o homem, a partir do exercício da razão, pudesse descobri-la. Ele simplesmente não aceitava o que tradicionalmente se entendia por lei natural... Desse modo, tampouco podia admitir os direitos naturais. Buscou em Beccaria a máxima “a maior felicidade do maior número de pessoas” para estabelecer o “princípio da utilidade” que deveria servir (segundo ele mesmo) “como a melhor medida do certo e do errado”. Daí decorre que, ainda de acordo com Bentham, a lei adequada é aquela formulada a partir da análise de fatos, e não de “julgamentos baseados na razão”.
Não foi por acaso que Bentham colocou-se contra a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e até redigiu um panfleto em que definiu críticas a cada um de seus artigos. Negando “categoricamente a existência dos direitos naturais” afirmou:

                   “Os direitos naturais são um mero absurdo: os direitos naturais e imprescritíveis, um absurdo retórico, um absurdo bombástico”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas