O panfleto de Price provocou uma série de críticas às suas posições em defesa do movimento norte-americano e ao mesmo tempo colocou as temáticas dos “direitos naturais da humanidade”, “direitos da natureza humana” e “direitos inalienáveis da natureza humana” nas agendas dos debates que aconteciam na Europa.
Entre as várias questões que se levantavam, Lynn Hunt aponta uma que era de capital importância: Afinal, “existem direitos inerentes à Natureza Humana, tão ligados à vontade que tais direitos não podem ser alienados”?
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Para muitos, afirmar que “há certos direitos na Natureza Humana que são
inalienáveis” não passava de sofisma. Se a pessoa deve “desistir do governo de
seu ser pela sua própria vontade” (para que possa participar do “estado civil”),
então positivamente há direitos que são alienáveis.
Pelo que se vê, o debate
era dos mais intensos entre os ingleses, e alguns conceitos como “direitos
naturais, liberdade civil e democracia” provocaram polêmicas. Os que fizeram
oposição a Price ressaltaram que não se podia confundir liberdade natural com
liberdade civil. Não é exagero pensar que esse embate prossegue até os nossos
tempos.
Os que viam senões nas
ideias defendidas por Price podiam destacar que os direitos naturais
floresceram sempre em situações de confrontos com governos despóticos... Desse
modo não seria absurdo afirmar que tais direitos seriam algo inventado, criado
para reagir à opressão e, desse modo, não seriam “inalienáveis”. Seriam até
mesmo “irrelevantes”.
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Em meados do século XVII,
Hobbes já argumentava a respeito da necessidade de os homens abrirem mão dos
direitos naturais (sendo assim, novamente, não podem ser considerados
inalienáveis) para que a organização civil embasada na ordem prevalecesse.
O teórico absolutista
Robert Filmer colocou-se explicitamente contra as ideias políticas de Grotius
e, em 1679, afirmou que a doutrina da “liberdade natural” não passava de um
absurdo. Em sua obra “Patriarcha”, de 1680, opôs-se à “noção de igualdade e
liberdade natural da humanidade” ao insistir que todos nascem dependentes e
sujeitos aos pais... Sobre “direito natural”, tinha a dizer que só havia aquele
(direito) que se relaciona diretamente ao “poder régio”, derivado do poder
patriarcal confirmado nos “Dez Mandamentos”.
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Já o filósofo Jeremy
Bentham defendia que em vez de “lei ideal ou natural” as sociedades deveriam se
organizar a partir da “lei positiva”. Em 1775, Bentham lançou uma crítica ao
texto “Comentaries on the Laws of England”, de Blackstone. Seus argumentos
rejeitam o conceito de “lei natural”:
“Não
há isso que chamam de ‘preceitos’, nada que ‘ordene’ o homem a praticar
qualquer um dos atos que se alega serem impostos pela pretensa ‘lei da
Natureza’. Se algum homem conhece algum desses preceitos, que ele os produza.
Se são produzíveis, não deveríamos nos dar ao trabalho de ‘descobri-los’, como
nosso autor (refere-se a Blackstone) pouco depois nos diz que devemos fazer,
com a ajuda da razão”.
Como se vê, Bentham não aceitava que a lei natural fosse inata e que o
homem, a partir do exercício da razão, pudesse descobri-la. Ele simplesmente
não aceitava o que tradicionalmente se entendia por lei natural... Desse modo,
tampouco podia admitir os direitos naturais. Buscou em Beccaria a máxima “a
maior felicidade do maior número de pessoas” para estabelecer o “princípio da
utilidade” que deveria servir (segundo ele mesmo) “como a melhor medida do
certo e do errado”. Daí decorre que, ainda de acordo com Bentham, a lei
adequada é aquela formulada a partir da análise de fatos, e não de “julgamentos
baseados na razão”.
Não foi por acaso que Bentham colocou-se contra
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e até redigiu um panfleto em
que definiu críticas a cada um de seus artigos. Negando “categoricamente a
existência dos direitos naturais” afirmou:
“Os direitos naturais são um
mero absurdo: os direitos naturais e imprescritíveis, um absurdo retórico, um
absurdo bombástico”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_30.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto