Sem medo seguiu pensando sobre as situações de comando, as inspirações, aspirações e frustrações dos que ocupam essa posição. Fez isso enquanto esperava que o grupo do Chefe de Operações avançasse um pouco mais para o sítio em que faria a emboscada aos tugas que tentassem escapar do assalto à Base.
Recordou-se da época em que viveu na Europa, quando conheceu o entretenimento eletrônico do fliperama e de como o jogador podia atingir um estágio de domínio sobre os desafios da máquina.
(...)
Lembrou-se que no pôquer há jogadores que perdem muito
dinheiro... Mas podia ser que, mais do que a vontade de vencer, o que prende muitos
aficionados ao jogo seja a vontade de experimentar o controle e o domínio sobre
os adversários... São tipos ousados que sabem que o risco pode trazer-lhes a derrocada
ou recompensa a qualquer momento em que se decidem pelas “cartadas de sorte”...
Eventualmente arriscam tudo, e grandes somas, pelo “prazer do desafio”. Pouco
se importam se saem vitoriosos porque o que conta para eles é a sensação de
predominar sobre os adversários e intimidá-los com seus gestos (vários blefes).
(...)
Essas situações bem podiam ser relacionadas à
guerra... Contudo as figuras que imprimem resultados aos conflitos pouco
aparecem e muitas vezes sequer são conhecidas. Muitos “senhores da guerra”
jamais deixam seus gabinetes e exercem muito maior poder do que os que comandam
nas frentes de batalhas. Mas também eles possuem fragilidades e são torturados
por elas... Empurram para os conflitos, para o matar e o morrer, homens que
confrontam outros que devem ser entendidos como “defensores do injusto e dos
vícios”... No passado, incutia-se nas tropas a ideia de que os soldados
inimigos concentram em si todo o mal que a propaganda de guerra anuncia... Guerra
total...
Os
tempos mudaram... Para Sem Medo, os combatentes já não pensavam daquela
maneira. E principalmente os revolucionários, que certamente levam em conta que
entre os oponentes há o camponês, o operário, o pai de família... E quantos
entre esses podem ser contados os que são forçados ao confronto ou que seguem
para o conflito sem a menor convicção?
(...)
Essas reflexões levaram-no a concluir que a guerra que
travavam era das mais difíceis. O revolucionário em sua condição de comando (e
esse era o seu caso) entenderia a guerra como o jogo em que deve tomar decisões
mais lúcidas... Que tipo de soldado guerrilheiro é esse? Aquele que Sem Medo
gostaria de ser... Todavia esse tipo ideal só podia ser encontrado nas linhas
dos romances clássicos.
A
realidade vivida é a do “conflito quente”, dos tiros, bombas e sangue
jorrando... Como dominar as emoções? Como abandonar o pensamento de que um
camarada como o Comissário Político pudesse já não estar entre os viventes?
E
como afastar definitivamente as visões de Leli que persistiam nos instantes que
precediam ações de combate?
(...)
O momento de avançar chegou...
Sem Medo fez sinal aos camaradas. Ele liderou a coluna
pelo caminho que havia feito na noite anterior. Sua maior dificuldade no
momento foi o prosseguir de cócoras para limpar a área que os companheiros
deviam pisar na sequência... Além dos gravetos, o tatear das mãos poderia
acusar a presença de bichos peçonhentos... Felizmente isso não se confirmou.
Graças ao reconhecimento que fizera anteriormente, o
avanço foi rápido e logo chegaram ao rio. Sem Medo aproveitou para se estirar e
descansar os músculos.
Mundo
Novo se ofereceu para tomar a frente, mas o comandante insistiu que o rapaz se
mantivesse logo atrás dele.
Atingiram a curva do rio, e isso indicava que estavam bem
próximos à Base.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-avancando-junto-ao.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto