Ondina bem que gostaria de passar uns bons momentos com Sem Medo, mas ele deu-lhe as costas e seguiu para o trabalho...
Ordenou a um dos homens que se dirigisse à Base e levasse o comunicado ao Mundo Novo... Depois orientou alguns guerrilheiros sobre a necessidade de juntar as armas e os morteiros... Também saiu em busca de alimentos em conserva.
(...)
Retornou ao bureau por volta das onze da noite.
Ao entrar no quarto, deparou-se com a Ondina ainda
acordada e em sua cama. Ela disse que o esperava... Ele deu ordem para que se
retirasse imediatamente e logo acrescentou que não havia o menor cabimento em
cogitar qualquer relação depois do longo dia de tarefas a que se submetera
desde a saída da Base e as “oito horas de marcha a pé”...
Ondina
insistiu que gostaria de ficar apenas a velar o seu descanso... Mais uma vez
Sem Medo a tocou para fora. Na sequência jogou-se sobre a cama de onde a outra
havia se retirado... Sequer trocou-se e fumou até que o cansaço o dominasse. Nos
sonhos, Ondina apareceu-lhe nua e a se oferecer ao mesmo tempo em que sentenciava
seu amor pelo João Comissário...
Depois era a imagem de Leli que lhe aparecia e se
misturava à de Ondina. A figura de lindos cabelos negros o chamava
incessantemente... Na savana da Huíla (região mais ao sul), ele a via com os
braços estendidos... Mas no instante em que se preparava para segurá-la, a
perdia para um vazio de precipício.
(...)
Sem
Medo levantou-se ao raiar do dia... Sua cabeça doía, pois os pesadelos não lhe
permitiram uma boa noite de sono.
À
tarde chegou o Mundo Novo e os dois trataram da missão que havia sido acertada.
Outros vinte guerrilheiros confirmaram sua participação e, além deles, outros
mais se deslocariam voluntariamente. Homens e mulheres foram recrutados para
ajudar no transporte de alimentos e de morteiros. A tarefa ficou agendada para
a manhã do dia seguinte.
Sem Medo colocou Mundo Novo a par de tudo o que ele devia
saber em relação ao movimento em Dolisie, e particularmente sobre o bureau. Na
sequência levou-o ao depósito para anunciá-lo aos homens como o novo
responsável pela área.
(...)
Por volta das dez da noite, os dois e mais a Ondina
começaram a jantar. O Mundo Novo principiou a dizer que não tinha experiência e
que não sabia por que o haviam escolhido. Sem Medo adiantou que ele mesmo havia
apoiado a indicação de seu nome para o posto. O rapaz estranhou e esclareceu
que seu espanto se devia ao fato de não comungarem das “mesmas ideias”.
Sem Medo tomou da cerveja e respondeu que, de fato, não
tinham as mesmas ideias... Como poderia ser diferente? Sentenciou que Mundo
Novo pertencia ao aparelho e que no futuro ajudaria a instalar o Partido que
passaria a governar os angolanos. Já ele nunca pertenceria ao aparelho, e sua
tarefa se encerraria no momento em que a guerra chegasse ao fim.
Sem
Medo deixou claro que, no fundo, ambos possuíam os mesmos objetivos... Acontece
que os dois sabiam que uma “fase intermediária” ocorreria para que se efetuasse
a definitiva transformação da realidade. Para ele, Mundo Novo era dos que mais tinham
condições de participar da “fase intermediária”, e isso justificava a sua
indicação. Por fim, sugeriu que chegaria o dia em que Angola já não teria “necessidade
de aparelhos rígidos”... Garantiu que desejava isso, mas algo lhe dizia que não
conheceria esse novo tempo.
(...)
Mundo Novo quis saber o que o comandante seguia fazendo
até que a “nova realidade” triunfasse. Ele respondeu que seguia fazendo a
guerra e se esforçando par que o aparelho do Partido chegasse às condições de
se instalar.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto