sábado, 18 de maio de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo em seus estertores; ataques violentos desde o quartel do Sanga; chuva de folhas e flores de mafumeira; a gigantesca amoreira e seu tronco imponente; o rosto afirmativo do mecânico e a ideia de que a luta revolucionária prossegue; indignação do Comissário com a insistência dos camaradas em baterem em retirada

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-acampamento-tuga.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo calou-se e manteve o aperto de mão do Comissário...
Logo o grupamento que lidou com os morteiros chegou. Todos os homens cercaram o comandante em sua agonia.
(...)
Desde o Sanga, os tugas começaram a disparar morteiros na direção do Pau Caído... A distância do quartel até aquele sítio era relativamente curta e o acampamento começou a receber violento bombardeio. Entre os guerrilheiros houve agitação, pois evidentemente perceberam que o ataque contra o Pau Caído estava acontecendo porque os inimigos pensavam que eles ainda estivessem lá. Provavelmente toda a região seria atacada e por isso corriam risco.
O consenso era o da retirada imediata. Pangu-A-Kitina disse que Sem Medo não tinha a menor condição de sair, pois os ferimentos eram graves demais.
(...)
De repente, um vento leve soprou folhas e flores brancas e de suave aroma... A folhagem da mafumeira caiu sobre o grupo... Sem Medo perguntou se era neve sobre o Mayombe... Foi um “dizer poético”, algo como a sua despedida anunciada pelas folhas mortas... O Comissário ainda mais apertou-lhe a mão, como que a querer transmitir-lhe força para que continuasse a respirar...
É Pepetela quem faz a síntese do momento: “Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição”.
(...)
Os obuses passaram a cair cada vez mais perto de onde os guerrilheiros estavam. Eles ainda mais se agitaram. O Comissário Político percebeu e gritou que ninguém sairia. Sem Medo teve força para dizer que era preciso deixar os camaradas seguirem, pois ele se sentia bem onde estava e não podia se tornar num estorvo para os que dariam continuidade à luta...
O local parecia ideal para se aguardar a morte... Seus lábios já não se mexiam. O comandante estava deixando a existência...
(...)
Ainda pôde contemplar uma amoreira que se destacava bem à sua frente. Em seus estertores, a analisou... Notou que seu tronco imponente elevava sua copa à altura da folhagem de muitas outras árvores. No alto, os vários tons de verde confundiam, pois se misturavam. Na base, o tronco se agigantava e se diferenciava dos demais. Não havia como não notar a imponência do tronco que sustentava a “amoreira gigante”...
Os seres humanos são como aquelas árvores... Alguns se assemelham à amoreira. Seu tronco se afirma... Cada um busca se afirmar durante a existência...
Num último devaneio, Sem Medo “enxergou” o rosto do mecânico no tronco a sorrir-lhe...
(...)
Seus olhos permaneceram abertos na direção do tronco da gigantesca amoreira... Já não enxergava coisa alguma.
Há apenas cinquenta metros dali um obus disparado pelos inimigos provocou violento estrago. Instintivamente, os camaradas se prepararam para a retirada... Mas o Comissário os impediu furiosamente e, com a AKA preparada para o disparo, gritou como louco... Perguntou se não entendiam que o Sem Medo estava morto.
Os homens olharam para o rosto do cadáver... Não conseguiram entender a expressão de sorriso... Sorria para a vida ou para a morte?
Muatiânvua disse que tinham de partir imediatamente. O Comissário ainda mais se indignou. Protestou dizendo que Sem Medo tinha muito apreço por Muatiânvua. Seria possível que quisessem se retirar sem enterrar o comandante?
(...)
Ekuikui protestou garantindo que a ideia era uma loucura...
Argumentou que não possuíam pás ou enxadas... E o pior de tudo era saber que as bombas inimigas estavam caindo cada vez mais próximas...
Sugeriu que podiam carregá-lo para outra área.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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