Lutamos foi atingido e tombou... Sem Medo foi atingido e tombou.
De um momento para o outro o confronto entre guerrilheiros e soldados tugas mudou completamente. No início, a ofensiva dos revolucionários provocou diversas baixas entre os inimigos, que não tiveram alternativa senão fugir e, na retirada, cair na emboscada que estava armada.
Como vimos, o Comissário se antecipou perigosamente, e foi isso que levou Lutamos e Sem Medo às ações de alto risco.
Os camaradas começaram a avançar para evitar o pior. Ekuikui despertou o Comissário de seu torpor diante da triste cena do Sem Medo cravado de balaços. Abalado emocionalmente, disse ao camarada que os homens precisavam avançar... Mas ele mesmo dirigiu-se para a posição do comandante ensanguentado.
(...)
Neste mesmo momento, os tugas perceberam que não
tinham como escapar pelo caminho cercado pelos guerrilheiros. Estes avançavam
sobre eles, que retornaram às carreiras para o acampamento.
O
João Comissário perguntou ao Sem Medo sobre onde estava ferido... Em vez de
responder, ordenou-lhe que fosse comandar o assalto. Ofereceu-lhe um sorriso
que foi retribuído com leve aperto de mão no ombro.
Com lágrimas nos olhos, o Comissário Político avançou
contra o acampamento aos gritos de “MPLA avança! MPLA avança!”
(...)
Os
guerrilheiros seguiram atirando com violência, varrendo o terreno, eliminando
os tugas... Logo dominaram o Pau Caído.
Bem
poucos inimigos escaparam. Enquanto os homens recolhiam armas e munições, o
Comissário junto com o Muatiânvua carregaram o corpo de Sem Medo. Ekuikui
encarregou-se de Lutamos, levado em seu ombro.
No ponto de recuo, os homens se agruparam enquanto falavam
dos episódios marcantes do combate. Pangu-A-Kitina cuidou de Sem Medo e de
outro camarada ferido no braço. Sem Medo quis saber das baixas... Um morto e
dois feridos (foi o Comissário quem lhe deu a notícia). Perguntou sobre o
Lutamos, pois o tinha visto cair... Lutamos era o que havia morrido.
Sem Medo incluiu-se entre as baixas fatais e no mesmo
momento Pangu tentou dissuadi-lo do negativismo. O enfermeiro apertava ataduras
em seu ventre... Sem Medo respondeu que não tinha medo da morte.
Era tanto sangue que todos viam que Pangu não conseguiria
estancar a hemorragia... Sem Medo disse que era inútil tentarem salvá-lo e,
assim sendo, era melhor que o deixassem morrer no Mayombe... Voltando-se ao
João Comissário, disse que não combateria na Huíla.
(...)
Sem
Medo era só lamentação...
Tinha a voz tão enfraquecida que o Comissário quase encostava
o ouvido à sua boca. Ainda lhe restava alguma energia e pôde proferir que a
Ondina lhe nutria intensa paixão, e que valia muito a pena reconquistá-la, pois
eram “feitos um para o outro”.
O João Comissário emocionou-se. Apertou a mão do
comandante e suplicou-lhe que não falasse mais... Depois pediu perdão admitindo
que não compreendera e que fora imbecil ao pretender se igualar a ele.
Sem
Medo mal conseguia respirar ou falar... Pronunciou um “coragem gratuita” como
que a resumir o ocaso da ação... Pelo menos para ele, a situação parecia
acabada... O Comissário nada disse.
(...)
Algum tempo se passou... O fôlego foi retomado e então
Sem Medo pôde apertar a mão do camarada. Falou sobre o mecânico sem que
conseguisse expressar maiores detalhes... O Comissário antecipou-se a mostrar
que se lembrava do caso e assim poupou-lhe maiores esforços. Mesmo assim o Sem
Medo conseguiu dizer que o homem havia ingressado no movimento...
Certamente
o Comissário se emocionou, mas estava atônito diante do definhamento do
comandante... Disse-lhe que depois contataria o mecânico e que, no momento, era
importante poupar o pouco de energia que lhe restava...
Sem Medo sentenciou que “a classe operária adere à luta”.
E com isso queria dizer que o movimento era vitorioso.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-sem-medo-em-seus.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto