sexta-feira, 3 de maio de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – avançando junto ao rio e eventualmente em suas águas frias; um inimigo se banha e coloca em xeque toda operação; Sem Medo se aproxima para a inesperada execução que certamente chamará a atenção dos demais tugas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-os-jogos-de.html antes de ler esta postagem:

O deslocamento resultara em perfeito...
Os camaradas se acomodaram e ouviram de Sem Medo que teriam de esperar a madrugada para realizarem o assalto à Base... Aos poucos todos sentiram o avanço das horas e viram a selva se revelar timidamente.
A estratégia de Sem Medo foi a de distribuir os homens pelas duas margens do rio. Eles deviam se posicionar a uns dez metros um do outro. Mundo Novo foi tomando a primeira posição do outro lado. Ao vê-lo, Sem Medo mais uma vez reconheceu que o rapaz se tornaria um bom quadro do movimento, apto a assumir o comando em Dolisie.
(...)
Avançaram um pouco mais, e ainda mais cautelosamente. Eventualmente caminharam com a água fria do rio na altura de suas cinturas... Sem Medo seguiu pensando sobre quando poderia fumar novamente.
A tensão foi crescendo na medida em que cada vez mais se aproximavam da posição em que as duas colunas se colocariam em leque... Tudo ia bem até que os dianteiros venceram a última curva do rio e se depararam com um tipo claro a se banhar. Só podia se tratar de um tuga. A pouca luz permitia reconhecer apenas que ele estava de costas para os guerrilheiros, e nada mais.
Sem Medo concluiu que o plano havia falhado, pois era exatamente isso o que não podiam encontrar pela frente. E não havia outro modo de topá-lo, pois teriam de chegar à sua posição, o local exato a partir de onde iniciariam o cerco e fariam os inimigos fugirem para a montanha, indo de encontro ao grupamento do Chefe de Operações.
Sem Medo e Mundo Novo trocaram olhares... Em silêncio se entenderam a respeito do drama que se avizinhava. Se subissem a falésia não atingiriam o sítio ideal para o ataque e seriam forçados a percorrer vários metros sem qualquer proteção.
(...)
A realidade estava posta... Um dos tugas estava a banhar-se e em breve o rio se encheria de seus companheiros. A imagem de Leli surgiu para incomodar a consciência do comandante que, sem perder tempo, sinalizou ao Mundo Novo para prosseguirem.
Sem Medo caminhou com o rifle preparado para o disparo... Até então pensava que o tuga fosse um mestiço... Sua experiência o levara a avançar mais rapidamente do que Mundo Novo e logo chegou a uma distância de apenas cinco metros de seu alvo ensaboado.
Desde o ponto onde estava sinalizou para que os camaradas parassem imediatamente. Assim que o inimigo se virasse, dispararia e correria para a área que, ao que tudo indicava, seria utilizada para a fuga dos tugas.
Alguns dos homens que estavam na margem esquerda se mudaram para o outro lado. Sem Medo não conseguia calcular a posição de todos porque percebia que muitos sequer haviam vencido a última curva. O imprevisto o estava levando ao ataque e poucos dos homens teriam condições de combater. Difícil era saber se também os civis se habilitariam, e podia ser mesmo que se empolgassem com a ação, embora a maioria deles estivesse mais atrás.
(...)
Os homens começaram a rastejar em direção ao alto da falésia...
Sem medo fitava o inimigo em seu já prolongado banho ao mesmo tempo em que avaliava a escalada do morro. Pôde ouvir alguns ruídos provocados pela movimentação dos companheiros e concluiu que a qualquer momento os inimigos perceberiam a invasão.
O sujeito do banho emergiu esfregando as orelhas. Uma pequena pedra rolou na falésia e ele virou-se para se certificar... Logo notou as silhuetas dos homens e viu-se de frente com o guerrilheiro e sua arma posicionada para o tiro fatal. O momento de disparar era aquele...
Imediatamente o tipo levantou os braços e os manteve bem abertos.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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