sábado, 11 de maio de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – nos braços de Ondina; explicando a transferência do amor que nutria pelo João Comissário; preso à tradicional formação cristã e livre para prosseguir só e no risco

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-o-mecanico-do-kimbo.html antes de ler esta postagem:

Sem Medo colocou-se no meio dos braços nus de Ondina.
Ela o aguardava ansiosa, então perguntou-lhe por que ele a evitava... Sem Medo respondeu que ela amava ao João e que ainda reatariam. Ondina protestou ao garantir que no momento só queria saber dele.
Sem Medo disse que ela o desejava, mas era apenas isso. Amor era o que ela nutria pelo João Comissário. Então deixou claro que não devia confundir o amor com eventual desejo por outra pessoa.
Ondina arriscou dizer que poderiam se dar bem juntos, pois cada um seria livre para experimentar as aventuras de amor e sempre retornar ao convívio. Sem Medo respondeu que não suportaria este tipo de relação, pois vinha de uma formação mais tradicional e cristã... Acrescentou que com o João Comissário ela até poderia arriscar novas experiências, pois ao que tudo indicava ele já se tornara um tipo “adaptado”.
(...)
Na sequência envolveram-se em abraços e beijos... Relacionaram-se intensamente, pois o próprio Sem Medo entregou-se completamente... Ele parecia saber que não teriam outra oportunidade, já que era certo que voltaria para a Base e participaria da missão... Retornaria para Dolisie apenas para cumprir a ordem de partir para o Leste, e nessa ocasião certamente a Ondina já conheceria a decisão de Brazaville a respeito de seu processo e teria se mudado para outra região.
(...)
Fumaram e conversaram...
Ela insistiu que o amava, todavia sentia e dava a entender que Sem Medo não lhe transmitia segurança, pois este se mostrava excessivamente autossuficiente.
Ele redarguiu, garantiu que se assim fosse não a teria procurado naquela noite... Isso revelava fraqueza de sua parte... Ondina insistiu que aquele seu comportamento era típico dos homens. Ela mesma não via nada demais, então estava tudo bem.
Sem Medo desabafou que sempre procurou ultrapassar o que ele possuía de humano... Quem sabe se não chegaria a se tornar um “herói mítico ou um deus”? Para ele, Ondina carregava sentimentos que a levavam a confundi-lo com o João Comissário. Na verdade, se apegava a traços comuns que os dois carregavam, e aos poucos se convencia do sentimento... Seria mais ou menos como acreditar que ambos fossem a mesma pessoa...
Evidentemente não era assim... O próprio juízo de Sem Medo esclarecia: “Dez anos de Revolução os separavam!”
O João Comissário pertencia à geração dos que triunfarão com a Revolução... Sem Medo afirmou isso e deu a entender que o amado de Ondina teria maiores condições de compreendê-la no futuro.
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Admitiu que a compreendia... Todavia foi sincero ao dizer que não poderiam manter relação duradoura e plena, pois, por tudo o que afirmara anteriormente, fatalmente a forçaria a se modificar e a se tornar imagem dele mesmo. Não podia aceitar isso e quis que Ondina refletisse o quanto seria melhor para ela se admitisse o João Comissário “renovado pelas frustrações pessoais e pela Revolução”.
(...)
Ondina quis saber o que ele pensava sobre a hipótese de ela o querer mesmo com o risco de se ver moldada às suas características e imagem... Sem Medo respondeu que o risco não valia a pena. Certamente ela o odiaria depois de algum tempo... De sua parte, podia dizer que reconhecia a si mesmo, um tipo que carrega “a casa às costas”, como faz o caracol...
Pode parecer paradoxal, mas era assim mesmo que se sentia livre. Poderia “perder a casa”? Poderia chegar a ver-se desamparado de suas convicções mais incrustradas no íntimo de seu ser? Sem dúvida que sim! O amor, uma paixão ou aventura semelhante poderiam levá-lo a abandonar o seu “porto seguro”, mas era certo que isso lhe faria muito mal... Se sentiria ferido e como que com medo da morte.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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