terça-feira, 14 de maio de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – os guerrilheiros tomaram posição e começaram a se preparar para o ataque no começo do dia seguinte; Sem Medo sussurra sua animação e boas expectativas ao amedrontado Teoria; Comissário Político adotou o sectarismo; mais uma noite de insônia

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-ultimos.html antes de ler esta postagem:

A marcha para o Pau Caído ocorreu conforme o planejado...
Eventualmente os guerrilheiros se deparavam com trilhos que não reconheciam e que só podiam ter sido feitos pelos inimigos em sua tentativa de descobrir a Base. Todo cuidado era pouco e o que mais queriam evitar era um confronto pelo caminho, pois isso alertaria o acampamento inimigo.
Por volta das três horas da tarde chegaram há uns quinhentos metros do sítio dominado pelos tugas. De onde estavam podiam ouvir conversas, gargalhadas e até gritos. O pessoal da artilharia se afastou para se posicionar no morro.
O ataque não seria imediato... Passariam a noite camuflados e aguardariam o amanhecer, às seis da manhã iniciariam o fogo. Por isso os homens se acomodaram e descansaram. O Comando passou a ter uma conversa aos sussurros.
Duas horas depois, todos se alimentaram. Os que estavam encarregados das bazucas se deslocaram junto com o Chefe de Operações. Antes do anoitecer, tomariam posição... Dormiriam ali mesmo até umas dez para as seis, quando avançariam um pouco mais. O pessoal comandado pelo Comissário Político se preparou para passar a noite. Seu avanço se iniciaria às cinco e meia.
(...)
Sem Medo chegou até o Teoria e quis saber de suas expectativas, se estava tudo bem para o ataque que se aproximava. O professor respondeu que estava “normal”... O comandante bem sabia que o camarada devia estar bem abalado. Acendeu um cigarro tomando o cuidado de protegê-lo com a concha da mão. Teoria perguntou se o Comissário estava em litígio. Sem Medo respondeu afirmativamente e o outro explicou que o Comissário retornara de Dolisie bem modificado, como quem pretende mostrar autoridade, algo um tanto forçado.
Sem Medo disse que o Comissário Político ainda se tornaria um bom comandante... Teoria mudou de assunto referindo-se à falta que Sem Medo faria à região logo que fosse embora. Lamentou também porque no momento a luta estava crescendo. O comandante respondeu que gostava do Mayombe, mas também deixou claro que gostaria de avançar para o planalto, onde o movimento precisava marcar ações.
Teoria deu a entender que também gostaria que a guerra se expandisse e voltou a dizer que Sem Medo faria falta, principalmente porque não sabia se o Comissário daria conta de sua nova missão.
Em relação a essa desconfiança, Sem Medo garantiu que o outro se daria melhor do que ele... Até porque o convívio estava mudado. Teoria concordou emendando que a saída do André havia contribuído para a melhoria do ambiente... E como a concluir a respeito do avanço do movimento, Sem Medo contou que o mecânico que haviam contatado na área de extração de madeira resolvera ingressar na guerrilha, e no momento estava integrado ao grupamento em Dolisie.
(...)
Essa conversa aos sussurros terminou e os dois camaradas se ajeitaram para dormir. Seria natural que o Comissário Político se aproximasse, mas ele evitou qualquer contato com o Sem Medo. Para este, mais uma noite de insônia e visões atormentadoras se iniciava.
Ondina apareceu para puxá-lo com toda a sua força... Em seu devaneio, Sem Medo esquivava-se ao mesmo tempo em que concluía que não tinha como resistir-lhe. Entendeu que ela conseguiria “domesticar” o homem que bem entendesse. Apenas o João “transformado” saberia namorá-la sem se deixar dominar.
Despertou... Refletindo sobre a própria condição, Sem Medo pensou que estava envelhecido e que a solidão começava a pesar. Retornar para Dolisie não era opção, pois o reencontro com Ondina o faria balançar. O melhor que tinha a fazer era manter sua palavra de negação a qualquer possibilidade de relacionamento futuro. O correto era seguir em frente e “encarar os fantasmas”.
Enquanto estivesse em marcha, estaria livre.
No dia seguinte haveria combate e o confronto o libertava.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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