A marcha para o Pau Caído ocorreu conforme o planejado...
Eventualmente os guerrilheiros se deparavam com trilhos que não reconheciam e que só podiam ter sido feitos pelos inimigos em sua tentativa de descobrir a Base. Todo cuidado era pouco e o que mais queriam evitar era um confronto pelo caminho, pois isso alertaria o acampamento inimigo.
Por volta das três horas da tarde chegaram há uns quinhentos metros do sítio dominado pelos tugas. De onde estavam podiam ouvir conversas, gargalhadas e até gritos. O pessoal da artilharia se afastou para se posicionar no morro.
O ataque não seria imediato... Passariam a noite camuflados e aguardariam o amanhecer, às seis da manhã iniciariam o fogo. Por isso os homens se acomodaram e descansaram. O Comando passou a ter uma conversa aos sussurros.
Duas horas depois, todos se alimentaram. Os que estavam encarregados das bazucas se deslocaram junto com o Chefe de Operações. Antes do anoitecer, tomariam posição... Dormiriam ali mesmo até umas dez para as seis, quando avançariam um pouco mais. O pessoal comandado pelo Comissário Político se preparou para passar a noite. Seu avanço se iniciaria às cinco e meia.
(...)
Sem Medo chegou até o Teoria e quis saber de suas
expectativas, se estava tudo bem para o ataque que se aproximava. O professor
respondeu que estava “normal”... O comandante bem sabia que o camarada devia
estar bem abalado. Acendeu um cigarro tomando o cuidado de protegê-lo com a
concha da mão. Teoria perguntou se o Comissário estava em litígio. Sem Medo
respondeu afirmativamente e o outro explicou que o Comissário retornara de
Dolisie bem modificado, como quem pretende mostrar autoridade, algo um tanto
forçado.
Sem
Medo disse que o Comissário Político ainda se tornaria um bom comandante...
Teoria mudou de assunto referindo-se à falta que Sem Medo faria à região logo
que fosse embora. Lamentou também porque no momento a luta estava crescendo. O
comandante respondeu que gostava do Mayombe, mas também deixou claro que
gostaria de avançar para o planalto, onde o movimento precisava marcar ações.
Teoria
deu a entender que também gostaria que a guerra se expandisse e voltou a dizer
que Sem Medo faria falta, principalmente porque não sabia se o Comissário daria
conta de sua nova missão.
Em relação a essa desconfiança, Sem Medo garantiu que o
outro se daria melhor do que ele... Até porque o convívio estava mudado. Teoria
concordou emendando que a saída do André havia contribuído para a melhoria do
ambiente... E como a concluir a respeito do avanço do movimento, Sem Medo contou
que o mecânico que haviam contatado na área de extração de madeira resolvera
ingressar na guerrilha, e no momento estava integrado ao grupamento em Dolisie.
(...)
Essa conversa aos sussurros terminou e os dois camaradas
se ajeitaram para dormir. Seria natural que o Comissário Político se
aproximasse, mas ele evitou qualquer contato com o Sem Medo. Para este, mais
uma noite de insônia e visões atormentadoras se iniciava.
Ondina apareceu para puxá-lo com toda a sua força... Em
seu devaneio, Sem Medo esquivava-se ao mesmo tempo em que concluía que não
tinha como resistir-lhe. Entendeu que ela conseguiria “domesticar” o homem que
bem entendesse. Apenas o João “transformado” saberia namorá-la sem se deixar
dominar.
Despertou...
Refletindo sobre a própria condição, Sem Medo pensou que estava envelhecido e
que a solidão começava a pesar. Retornar para Dolisie não era opção, pois o
reencontro com Ondina o faria balançar. O melhor que tinha a fazer era manter
sua palavra de negação a qualquer possibilidade de relacionamento futuro. O
correto era seguir em frente e “encarar os fantasmas”.
Enquanto estivesse em marcha, estaria livre.
No dia seguinte haveria combate e o confronto o libertava.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/05/mayombe-de-pepetela-enfim-o-ataque-ao.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto