Não falaram mais a respeito de Sézenac... Henri e Nadine abriram os jornais já que, pelo menos enquanto não partissem para a Itália, não podiam deixar de folhear.
As notícias e artigos davam conta do panorama político: investimentos norte-americanos na Europa; sucesso do RPF (partido fundado e dirigido por De Gaulle em 1947; “Reunião do Povo Francês”); o retorno em peso dos “colaboracionistas” à vida pública; críticas aos comunistas e à sua inabilidade; expectativas de guerra a partir da Alemanha...
(...)
As matérias provocavam
irritação em Henri... Seu único pensamento era o de não mais se importar com os
jornais logo que se mudassem para Porto Venere...
Seu mau humor o levava a entender que o melhor que se
tinha a fazer era aproveitar a vida despreocupadamente... Afinal de que
adiantaria preocupar-se com eventos dos quais não temos nenhum poder de
decisão? Obviamente este não era o ponto de vista de Dubreuilh, para quem a
atuação política não deve terminar nunca.
Suas reflexões foram interrompidas pela observação de Nadine a respeito
de um artigo que elogiava o livro de Volange... Henri comentou que o momento
político era propício para os jornalistas “de direita”... Indignada com a
matéria, Nadine sentenciou que “nem todos são idiotas” na direita.
(...)
Afinal, o que se podia dizer a respeito da produção de
Volange? Um livro medíocre... Os simpatizantes da situação só podiam aplaudir a
sua iniciativa. O slogan “integrar o mal” sintetizava seu pensamento... Em poucas
palavras, o mundo precisava de “redenção”... Isso seria proporcionado pela
América e o Plano Marshall... Um “mundo mais justo” emergiria dos tempos
sombrios.
(...)
Nadine quis saber o que Henri esperava da ocasião em que o seu livro
fosse lançado... Ele respondeu que não haveria surpresa... Artigos de Volange,
Lenoir... Certamente o acusariam de não ter produzido uma obra à altura de
“Guerra e Paz” ou de “Princesa de Clèves” (de Madame de La Fayette, segunda
metade do século XVII; obra clássica da literatura francesa).
Também Mauvanes estava para publicar seu livro... Nadine quis saber para
quando seria e Henri apostou que a encadernação seria lançada no fim de
setembro... Ambos concordaram que por essa época já estariam de malas prontas
para a Itália.
(...)
A casa na Itália estivera ocupada por Pimienta, que decidira viver em
Paris... Pelo visto os escritores que haviam se intrometido na política
decidiam mudar de ares depois de se decepcionarem com ela... Henri lembrou que
este era também o caso de Langstone (provavelmente James Langston Hughes, 1902-1967),
que não tinha o menor desejo de retornar para os Estados Unidos.
Se dependesse da vontade de Henri, já estariam na Itália... Mas ele teve
de concordar com Nadine... Aguardariam o retorno de Anne antes de partirem...
Além do mais fariam companhia a Robert em Saint-Martin.
Ele pensava na situação
quando Nadine proclamou que ela havia tido a feliz ideia de escolher a casa “à
beira mar, entre rochedos e pinheiros”. Henri reconheceu e brincou que “às
vezes ela tinha boas ideias”.
Nadine deu mamadeira à
filha... Henri observou o quanto ela parecia se esforçar para realizar o papel de
mãe. Parecia haver ternura em seus olhos. Todavia sua impressão cotidiana era a
de que, até em relação à criança, ela permanecia “emparedada dentro de si mesma”.
Terminada a tarefa
maternal, Nadine o convidou para entrarem mais uma vez na água.
(...)
De volta a casa, a preocupação era saber se Méricaud e Charlier ainda
estavam presentes... Nadine conferiu que o pai estava sozinho no escritório...
Anunciaram-se e ele pediu para que entrassem.
A pequena Maria estava dormindo...
Enquanto Nadine a levou para o quarto, Henri permaneceu por um tempo
conversando com o sogro.
Dubreuilh passou-lhe um papel que continha anotações e
anunciou que certo Jean Patureau havia telefonado e solicitando que lhe
retornasse a ligação com urgência... Este tipo era irmão de um advogado
conhecido de Henri... Somos tentados a pensar em Truffaut, cujo cliente era
Mercier (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/06/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-de.html).
Mas Dubreuilh acrescentou que o homem tinha informações transmitidas desde
Madagascar... Sendo assim, só podia ser por causa dos artigos escritos por
Henri no ano anterior.
Henri prometeu telefonar o quanto antes... Robert adiantou que
provavelmente haveria material suficiente para ser publicado no próximo número
de Vigilance... E emendou que
Méricaud lhe adiantara outros detalhes a respeito dos julgamentos em
Madagascar.
Henri quis saber como a
visita transcorrera... Dubreuilh comentou algo sobre o envelhecimento que
definhava Charlier, e acrescentou que o motivo do encontro era mesmo o semanário...
Eles também lhe anunciaram que Manheim desejava negociar a respeito.
Manheim era filho de um banqueiro que morrera no
exílio... Passara três anos em sanatório na Suíça e escreveu um livro “cheio de
boas intenções”, mas fraco. O tipo estava decidido a organizar o periódico
esquerdista e considerava que Robert era o homem certo para dirigi-lo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_10.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto