sábado, 24 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – início da ordem mundial conhecida como “guerra fria”; Dubreuilh partiu para Lião em defesa da paz; de discursos e outras formas de mobilização que nos tornam um pouco mais sujeitos da História

                                                           Feliz Natal a todos;
                                                           Boas Festas.

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-uma.html antes de ler esta postagem:

Alguns dias se passaram... Os jornais nada noticiaram a respeito do sumiço de Sézenac... Henri experimentava uma sensação ruim, como se ainda pudesse sentir o cheiro do corpo que havia queimado no pavilhão... Exatamente por isso é que a imagem enegrecida do cadáver, seu corpo inchado e a barriga aberta não lhe saíam da cabeça.
As manchetes dos jornais davam conta do rompimento diplomático entre os antigos aliados e a URSS... Talvez Vincent estivesse certo quando dissera que a guerra logo ocorreria. Os homens são como ratos mesmo.
(...)
Chegou o dia de conduzir Dubreuilh à estação... Nadine os acompanhou... Robert partiria para Lião, onde discursaria pela paz... Sem dúvida sua missão era carregada de dignidade, sobretudo naqueles dias que cheiravam à pólvora.
Ao longe, Henri acompanhou Robert, que cumprimentou companheiros antes de entrar no trem... À distância, Perron experimentou certo ressentimento e viu-se excluído das mobilizações dos ativistas.
(...)
Na sequência, o casal providenciou a passagem de Nadine para a Itália.
Os temores de guerra levaram-na a questionar se partiriam independentemente do desenrolar dos acontecimentos... Henri respondeu que a única coisa que podia ocorrer era adiarem a partida, mas isso era algo em que ele não acreditava sinceramente. Em vez disso, previa uma diminuição das tensões.
O resto do dia foi tomado por compras de discos e alguns objetos para a decoração do lar italiano... Aproveitaram para passar pelos escritórios da Vigilance e de L’Enclume... Encontraram Lachaume e ficaram sabendo de sua opinião a respeito da situação internacional... Ele estava bem preocupado... Todavia o partido havia assumido definitivamente o caso malgaxe, e com isso se mostrava animado, embora não se pudesse fazer muito... A sentença sairia, o PC francês publicaria notas, petições, organizariam comícios...
Henri e Nadine aproveitaram o resto do dia para uma sessão de cinema... Enquanto rodavam pela estrada, ela tecia questões que o marido não tinha condições de responder... O que ele faria se fosse convocado para uma eventual mobilização militar? O que ocorreria se os russos ocupassem Paris? E se os Estados Unidos se saíssem vencedores?
(...)
À noite jantaram com Anne... Logo que ela se retirou, foram para o escritório. Nadine deu-lhe dois envelopes e, enquanto ele verificava o conteúdo, pôs-se a dizer que se sentia envergonhada por viajar em carro-leito... Sempre viajara na terceira classe! Mas tudo era bem real... A passagem estava em suas mãos, o embarque era para breve. Ela mesma proferiu que se tratava de algo “terrivelmente real”.
Henri quis saber por que razão usava aquele linguajar... Nadine improvisou que “um embarque é sempre um pouco terrível”... Ele não concordou e disse que a incerteza é o que mais aflige... Assim, seria melhor que chegasse logo o momento de partirem.
Nadine perguntou se ele não se lamentava por não participar dos comícios comunistas anunciados por Lachaume.
Ele respondeu que os comunistas entrariam com tudo na questão... Isso significa que sua participação não era imprescindível... Além do mais a situação não se encerrava de um momento para outro... Um processo chegava ao fim (falava sobre o caso malgaxe) e logo outro se iniciava... Dessa maneira, se tivesse de remarcar a viagem por causa de uma mobilização específica, dificilmente teriam condições de colocar um termo... Era melhor por um “ponto final”.
(...)
Henri passou a ler a correspondência... Normalmente recebia cartas com muitos elogios e agradecimentos... Isso o deixava feliz, mas não era bem essa a sensação que o dominava naquela noite. Enquanto Nadine folheava o Argus, Henri pensava que Dubreuilh estava em seu compromisso a falar em defesa da paz.
Refletiu que numa situação de perigo para a humanidade era melhor fazer algo (como pronunciamentos) do que nada fazer... É claro que as palavras não evitam uma guerra, todavia elas não têm intenção ou condições de “mudar a História”...
Pelo menos podemos pensar que a vida ganha mais sentido a partir dos discursos que procuramos vivenciar, e assim nos tornamos um pouco mais sujeitos da História.
Pensou no avião que cai em altíssima velocidade... A melhor posição seria a do piloto, pois este estaria lutando para evitar a catástrofe. Seus passageiros estariam presos aos cintos e nada poderiam fazer senão esperar o momento derradeiro.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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