quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – início da décima segunda parte – a parte final; Anne decide não mais viver

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_85.html antes de ler esta postagem:

A décima segunda parte de “Os Mandarins” é a última, e também a mais curta.
Vemos Anne muito deprimida.
Passaram-se duas semanas após o seu regresso dos Estados Unidos... A grande orquídea dada de presente por Lewis pouco antes de seu embarque estava murcha... Ao descartá-la na lixeira parecia sepultar de vez qualquer possibilidade de revê-lo em Chicago ou em Parker.
Robert era o mesmo... Envelhecido e “se encaminhando para a morte”... Ela não pôde deixar de constatar isso ao revê-lo em sua chegada aos Invalides... Era notório que seus passos estavam ainda mais enfraquecidos...
Era certo que ele morreria antes dela... De sua parte, Robert jamais admitiria o ocaso, pois acreditava na vida e entendia que tinha muito a fazer. De modo algum se via como um “morto em sursis”.
(...)
Cada um aguarda a própria hora... A partir de sua lógica, chegaria o dia em que viria Robert estirado, completamente morto com um “rosto de cera”...
No entanto Dubreuilh seguia animado... Principalmente quando passava horas a conversar com Henri acerca da retomada de projetos editoriais e de ação política.
(...)
Nos dias que se seguiram, Anne passou a se enxergar numa condição tão delicada que o suicídio parecia ser sua única alternativa... O desejo de morrer trazia-lhe tranquilidade... “Quando se está cansado (da vida), a morte parece menos terrível”.
Estava convencida de que não era por causa de Lewis ou por causa das tragédias políticas que se avizinhavam. Simplesmente já não se sentia tocada pelas coisas... Se ocorresse o contrário, certamente se sentiria animada pela vida.
Por um instante se recordou de certa situação de perigo quando contava 15 anos... Gritou de medo e correu, pois a morte era uma ameaça... Evidentemente não experimentava as mesmas condições... Com a idade, as forças para qualquer fuga se esvaneceram.
Seu raciocínio tornou-se trágico... Comparou-se ao condenado à morte que, por não suportar mais alguns dias até a execução, acaba tirando a própria vida... Seu caso era mais dramático na medido em que teria de aguardar muito mais tempo...
(...)
Anne não brincava com a morte... Ela era algo real e próximo... O céu azul pouco significava... “A terra é gelada e o nada a retomou”.
A bela paisagem ou a tranquilidade do lar nada lhe diziam... A casa confortável, a tília e sua generosa sombra... O angelical sono de Maria... Tudo era vazio e silêncio. Dessa forma, não se podia divisar amor em seu coração... Não nutria mais esse tipo de sentimento por ninguém.
Apesar disso, não era raro ver-se lamentando que uma só existência seja insuficiente para dar conta do “inesgotável mundo”.
(...)
Algumas indagações são típicas de adolescentes... Mas elas também chegavam às reflexões de Anne... A existência é breve e cruel... A infinidade de astros que compõem as galáxias pouco se importa com cada um de nós. E mesmos os nossos iguais não se lamentam demais depois que desaparecemos de seus cotidianos.
A vida só pode ser amarga e a única coisa que devíamos levar em consideração seria a nossa própria experiência limitada ao nosso “ser material”... De tanto matutar a respeito, Anne perguntava-se sobre o que ainda fazia entre os viventes.
Pensar no trabalho também lhe era decepcionante... Não se via em condições de impedir qualquer de seus pacientes a parar de chorar, ou então de incentivá-los a iniciar terapia que resultasse em noites de sonos tranquilos.
(...)
Como o caso com Lewis estava perdido para o passado, ela poderia recuperar alguns significados nas relações mais próximas... Mas Nadine amava Henri e se tornara mãe de Maria... Absolutamente não representava nada a nenhum deles.
A respeito de Robert, há muito sabia que “bastava que lhe dessem papel e tempo”... Certamente sentiria a sua morte, sentiria saudade... Mas ele não era do tipo que se deixa mergulhar nesse tipo de sentimento.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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