quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Lambert não emplacava como escritor; o drink das sete; breve histórico do engajamento político de Dubreuilh; de utopias e objetivos “pouco modestos”; alguns simplesmente rejeitam o engajamento e esse não era o seu caso

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_14.html antes de ler esta postagem:

A conversa se deu durante a refeição...
Nadine não se conformava com o fato de Lambert sair-se bem de toda armação que engendrara... Considerava vexatório o artigo ofensivo à sua família... Henri redarguiu afirmando que o outro não conseguia obter triunfo significativo... Desde o início, o plano de Lambert ao juntar-se a Volange tinha como objetivo tornar-se romancista de renome... Mas sua tentativa de produzir uma novela sempre resultara em fracasso.
Voltando-se para Anne, Nadine comentou sobre o que o rapaz havia escrito na semana anterior... Em síntese, defendia o gaullismo e comparava os aliados de Pétain aos militantes da Resistência... Para ele, os primeiros “haviam gostado da França à sua maneira” e estavam “mais próximos do gaullismo” do que os “separatistas”.
Nadine mostrava-se inconformada com Lambert e outros que outrora haviam sido companheiros... Falou também sobre um texto de Julien em defesa do livro de Volange. Quem diria? Ele, que era anarquista, engrossando as fileiras do RPF!
Dubreuilh tentou explicar... Sugeriu que a esquerda estava muito dividida, havia os que não se importavam com as rupturas, os “jogos de destruição”, mas muitos eram os que procuravam outros campos para a atuação política.
Na sequência, Henri passou a conversar com Anne a respeito de um romance que ela trouxera dos Estados Unidos... Robert e Nadine silenciaram...
O almoço chegou ao fim.
(...)
Nadine decidiu passear de carro... Anne colocou-se à disposição para cuidar da pequena Maria... Henri não tinha a menor vontade de sair de casa e desejou que a outra se divertisse com prudência.
Henri não queria se divertir com Nadine, mas também não estava inspirado para trabalhar em seu livro... O fato é que já não se sentia na França, mas a Itália parecia muito distante. Nem se podia dizer que ele não se empolgava com os processos em Madagascar, pois os próprios acusados tinham certeza do veredicto e não pretendiam de se defender. Em outras palavras, isso significa que o processo terminava “sem ter acabado”.
(...)
Lá pelas sete da noite, Henri dirigiu-se novamente ao escritório... Informalmente, Anne havia instituído o ritual de “fim de dia”, que consistia numa última reunião regada a drinks.
Dubreuilh estava diante de papéis repletos de rascunhos... Ao vê-lo entrar, disse que preparava um texto que proferiria em Lião. Henri comentou que o amigo era mesmo corajoso... Lião, assim como Nancy, se tratava de ambiente sinistro! Dubreuilh não discordou e ao mesmo tempo falou sobre uma noite que lá passaram por ocasião de um comício... Mal conhecia o pessoal que o acompanhou a um bar muito simples, onde comeram chucrute e tomaram cerveja.
Henri disse que compreendia a referência... Emendou que ao tempo da Resistência vivenciou várias situações como aquela com os companheiros de jornal... Todos acreditavam no que faziam... Lamentou que no SRL não tivessem tantas oportunidades.
Enquanto bebericava, Dubreuilh disse que trabalhavam muito por conta das muitas ações articuladas pelo SRL, assim as “pequenas venturas” foram raras... Podia-se concluir que, a partir de suas ambições políticas, não eram “bastante modestos”.
Henri quis saber se a ideia de “querer impedir a guerra”, algo que mobilizava o amigo no momento, seria “menos modesto”... Robert explicou ao tempo do SRL tinham um programa bem definido e a utopia os impulsionava... Então seu engajamento depois da dissolução do grupo só podia ser considerado bem modesto... Até porque a postura dos que (como ele) combatiam os perigos de uma nova guerra não era a dos que carregam “ideias preconcebidas a serem impostas ao mundo”.
Robert explicou que podia comparar o seus esforços no pós-guerra com o que fizera em 1936... Havia um perigo iminente (a guerra que se iniciaria em 39) e os intelectuais (como ele) buscavam prevenir e fornecer embasamentos para uma defesa racional... Aquilo era bem realista.
Em tom de provocação, Henri disse que só é realista “se serve para alguma coisa”... Dubreuilh respondeu apenas que “pode servir”.
Não havia como saber o que Dubreuilh pensava ao certo... Colocava-se como se sentisse confiança nas próprias palavras, mas era certo que se aborrecia. Henri refletiu sobre isso e falou sobre as posições de Robert no ano anterior... Ele dizia que não havia como admitir um “novo humanismo”... Como podia explicar o seu realinhamento com os comunistas? As incompatibilidades de outrora já não existiam?
Robert explicou que o mundo de então revelava o “novo humanismo”... Haveria como recusá-lo? Não se recusa o mundo! Em sua opinião, muitos optavam pela abstenção.
No mesmo instante Henri entendeu que era daquela forma que Robert o interpretava. Dubreuilh era assim mesmo... Até o fim da vida se colocaria perante aos demais com ares de superioridade. Também não havia como se queixar em relação a isso porque era ele (Henri) quem tinha intenção de compreender o outro... Dubreuilh o via como um tipo que estava se negando ao engajamento, mas ele não tinha nenhuma intenção de se defender.
Seguro de suas convicções, Henri perguntou por que Robert perdeu a oportunidade de se abster. O velho explicou que o panorama político interno (francês) e externo o levou a isso... No ano anterior (1946) entendia que “tudo era mal”, e o “mal menor” era de tal modo insatisfatório que não podia ser digerido e tampouco ser considerado um “bem”. O tempo mostrou que o “pior dos males” tornou-se ainda mais ameaçador (referia-se à crescente influência norte-americana na Europa), e é por isso que suas diferenças em relação à URSS e aos comunistas se revelaram secundárias.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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