segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – partir para o paraíso não significaria apartar-se das mazelas da humanidade; mudanças de planos?; fim da décima primeira parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_26.html antes de ler esta postagem:

A conversa irritava Henri... Sobretudo porque a ideia de se mudarem para a Itália havia sido de Nadine... Ela agora vinha com essa conversa de que ele estava disposto a não mais ler os jornais... Mas certamente receberiam a Vigilance... O tal “semanário consistente” defendido por seu pai também podia se tornar realidade...
(...)
Ele explicou que seria normal passaram por um período de desconforto, ou até de incertezas, mas depois se acostumariam. Não tinham razões para “mudar os planos”.
A este respeito, Nadine disse que também não era certo partirem a todo custo apenas para não “mudarem os planos”... Seria estupidez.
De fato, não era o tipo de assunto que Henri gostaria de discutir às vésperas de partirem... Chamou Nadine à razão e lembrou que Robert dissera que se não partissem recomeçariam tudo como no passado... Por outro lado, ela reclamava que ele precisava “arranjar tempo para viver”.
Nadine parecia provocá-lo... Ou então já não estava tão segura em relação à mudança... Disse que havia dito muitas asneiras, inclusive ao incomodá-lo a respeito da falta de tempo para viver as coisas boas da existência.
Henri respondeu que no último ano havia sido muito feliz... E isso se relacionava ao tempo que conseguira arranjar por ter se afastado das discussões e compromissos políticos. Iriam para a Itália e tudo continuaria na mais perfeita condição.
Nadine o ouviu... No final deu a entender que concordava, já que ele pensava que no outro país seria feliz.
(...)
Henri teve de pensar a respeito da última afirmação da esposa... O que era exatamente ser feliz? Havia sentido nisso... Não possuímos o mundo ou nos livramos de suas mazelas... Não conseguimos nos proteger delas. Tanto fazia viver em Paris ou em Porto Venere... Os crimes, misérias e injustiças sociais chegariam ao seu conhecimento... Receberia cartas! Há os jornais e rádios (isso era suficiente)...
Não havia como se livrar de tudo aquilo... Essa era uma conclusão... Nadine parecia ter notado... De sua parte, Henri podia entender melhor o vazio que trazia em seu peito... Ele não havia escolhido o “exílio”, e não podia aceitar passivamente a ideia de que tudo pode acontecer ao nosso redor sem que nos sintamos chamados à atuação.
Henri perguntou à Nadine se desejava permanecer na França. Ela respondeu que ficaria contente em qualquer parte, desde que fosse ao seu lado.
É claro que esperava viver num belo local onde o sol estivesse sempre presente... Como se estivesse a se explicar, Nadine disse que todos sonham com o paraíso, mas deixam de ter pressa “quando são encostadas à parede”.
Henri entendeu que ela estava se lamentando por ter de partir... Manifestou o que estava pensando, então, sem responder-lhe diretamente, Nadine sentenciou que ele devia fazer o que fosse melhor para si... Devia fazer o que fosse de seu agrado... Deixou claro que não se sentiria bem se soubesse que sua decisão fosse pautada por qualquer sentimento de pressão que viesse de sua parte.
(...)
Ele ouviu... Depois disse que já não sabia o que desejava.
Levantou-se e colocou um disco na vitrola... Pensou que se não se mudassem para a Itália não teria muitas ocasiões para ouvir as músicas que apreciava... Não partir era uma possibilidade... Se não se mudassem sabia bem o que o esperava...
Nesse último caso, tinha em mente que saberia como se comportar... Não recairia em certas armadilhas... Mas não teria como evitar outras tantas.
Quando o vinil começou a girar no prato, perguntou à Nadine se não gostaria de ouvir música por um instante...
Sinalizou que deviam manter a calma, pois não tinham de resolver nada naquela noite.
Não havia pressa... Não precisavam falar mais a respeito da mudança.
Ele já chegara a uma decisão, e estava convicto.
Fim da Parte XI.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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