A conversa irritava Henri... Sobretudo porque a ideia de se mudarem para a Itália havia sido de Nadine... Ela agora vinha com essa conversa de que ele estava disposto a não mais ler os jornais... Mas certamente receberiam a Vigilance... O tal “semanário consistente” defendido por seu pai também podia se tornar realidade...
(...)
Ele explicou que seria normal passaram por um período de desconforto, ou
até de incertezas, mas depois se acostumariam. Não tinham razões para “mudar os
planos”.
A este respeito, Nadine
disse que também não era certo partirem a todo custo apenas para não “mudarem
os planos”... Seria estupidez.
De fato, não era o tipo de assunto que Henri gostaria
de discutir às vésperas de partirem... Chamou Nadine à razão e lembrou que
Robert dissera que se não partissem recomeçariam tudo como no passado... Por
outro lado, ela reclamava que ele precisava “arranjar tempo para viver”.
Nadine parecia provocá-lo... Ou então já não estava tão segura em
relação à mudança... Disse que havia dito muitas asneiras, inclusive ao
incomodá-lo a respeito da falta de tempo para viver as coisas boas da
existência.
Henri respondeu que no último ano havia sido muito
feliz... E isso se relacionava ao tempo que conseguira arranjar por ter se afastado
das discussões e compromissos políticos. Iriam para a Itália e tudo continuaria
na mais perfeita condição.
Nadine o ouviu... No final deu a entender que concordava, já que ele
pensava que no outro país seria feliz.
(...)
Henri teve de pensar a respeito da última afirmação da esposa... O que
era exatamente ser feliz? Havia sentido nisso... Não possuímos o mundo ou nos
livramos de suas mazelas... Não conseguimos nos proteger delas. Tanto fazia
viver em Paris ou em Porto Venere... Os crimes, misérias e injustiças sociais
chegariam ao seu conhecimento... Receberia cartas! Há os jornais e rádios (isso
era suficiente)...
Não havia como se livrar de tudo aquilo... Essa era uma conclusão...
Nadine parecia ter notado... De sua parte, Henri podia entender melhor o vazio
que trazia em seu peito... Ele não havia escolhido o “exílio”, e não podia
aceitar passivamente a ideia de que tudo pode acontecer ao nosso redor sem que
nos sintamos chamados à atuação.
Henri perguntou à Nadine se desejava permanecer na França. Ela respondeu
que ficaria contente em qualquer parte, desde que fosse ao seu lado.
É claro que esperava viver
num belo local onde o sol estivesse sempre presente... Como se estivesse a se
explicar, Nadine disse que todos sonham com o paraíso, mas deixam de ter pressa
“quando são encostadas à parede”.
Henri entendeu que ela estava
se lamentando por ter de partir... Manifestou o que estava pensando, então, sem
responder-lhe diretamente, Nadine sentenciou que ele devia fazer o que fosse
melhor para si... Devia fazer o que fosse de seu agrado... Deixou claro que não
se sentiria bem se soubesse que sua decisão fosse pautada por qualquer
sentimento de pressão que viesse de sua parte.
(...)
Ele ouviu... Depois
disse que já não sabia o que desejava.
Levantou-se e colocou um disco na vitrola... Pensou que se não se
mudassem para a Itália não teria muitas ocasiões para ouvir as músicas que
apreciava... Não partir era uma possibilidade... Se não se mudassem sabia bem o
que o esperava...
Nesse último caso, tinha em
mente que saberia como se comportar... Não recairia em certas armadilhas... Mas
não teria como evitar outras tantas.
Quando o vinil começou a girar no prato, perguntou à
Nadine se não gostaria de ouvir música por um instante...
Sinalizou que deviam manter a calma, pois não tinham de resolver nada
naquela noite.
Não havia pressa... Não precisavam falar mais a
respeito da mudança.
Ele já chegara a uma decisão, e estava convicto.
Fim da Parte XI.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_29.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto