A imobilidade de Henri levou Vincent a perguntar se havia algum problema... Deixou claro que se ele não quisesse ajudá-lo, podia ao menos emprestar-lhe o carro.
Henri respondeu que o ajudaria, mas em troca gostaria que Vincent saísse do bando de “justiceiros”. Ele respondeu que agira sozinho, o bando não tinha nada a ver com o assassinato de Sézenac... Acrescentou que, como não lhe ofereciam alternativas de ação contra os salafrários colaboracionistas, permaneceria com o grupo. O que Henri ou Dubreuilh sugeriam? Nada.
Henri simplesmente não aceitava a barbárie... E além do mais estava claro que os jovens se arriscavam muito.
(...)
O
momento não era para esse tipo de discussão.
Henri
não conseguia entrar em sintonia com o que estava ocorrendo... Sequer tinha
certeza se queria mesmo dizer as palavras que proferia! Tudo o que sabia era
que o vento fazia a tília balançar, o cheiro das rosas envelhecidas também se
fazia presente e naquele instante ele se dirigia à cama onde jazia Sézenac.
Observou
que o cadáver estava enegrecido por causa da ação do fósforo... Não havia a
menor semelhança com a imagem que se tinha do usuário de drogas... Um buraco na
têmpora, tapado com algodão, indicava o lugar onde Vincent disparara o balaço.
No
ventre via-se uma fenda assustadora... Também isso era um efeito do fósforo.
Vincent tivera o cuidado de tirar as roupas de sua vítima... Tudo foi colocado
em sacolas. Ele segurou Sézenac por baixo dos braços... Henri agarrou as pernas
do tipo morto.
Ao
chegarem à garagem, Vincent foi até a bicicleta que estava bem escondida...
Recolheu uma corda, um saco e uma pesada pedra... Somos tentados a imaginar que
ele colocaria o que restou de Sézenac dentro do saco... Mas não foi bem isso o
que ocorreu. A pedra estava dentro do saco, e este foi envolvido no cadáver... Ele
finalizou o macabro pacote usando a corda para amarrar bem.
O
embrulho foi colocado no banco de trás... Os dois empurraram o carro até a
saída da propriedade... Henri notou que o quarto de Nadine estava iluminado...
Teria notado algo?
Só deu a partida no motor com o carro devidamente
posicionado na estrada... Observou o povoado e viu que a escuridão era total...
Mas não era impossível que alguém com problemas para dormir os observasse ao
longe.
(...)
No caminho Henri quis saber
se Sézenac havia entregado muitos judeus aos nazistas... De certa forma sua
pergunta parecia procurar justificativas para o assassinato. Vincent respondeu
que o tipo entregara centenas de judeus... As chamadas “passagens de linha”
correspondiam a “um trabalho em grande escala”.
Vincent estava
satisfeito... Comentou que estivera na pista do traidor, mas cometera o erro de
se dirigir ao pequeno hotel onde o tipo se hospedara... Foi infeliz ao tentar
invadir o quarto para liquidá-lo ali mesmo... O resto dessa história Henri já
tinha ouvido Nadine explicar... Sézenac impediu a entrada e conseguiu escapar
pela escada de emergência.
Outra pergunta feita
por Henri era sobre os motivos de o tipo ter se envolvido com a Gestapo... Sobre
isso, Vincent explicou que ele tinha necessidade de dinheiro... No começo
pensou que Sézenac passou a abusar das drogas após a morte de Chancel, mas pelo
visto a situação ocorria desde muito antes... Chancel o admirava e não poucas
vezes dizia que o rapaz gostava da vida perigosa... Ele não tinha a menor ideia
de que as drogas eram a razão de ser de Sézenac.
As críticas de Vincent não paravam por aí...
Todos sabiam que as origens do traidor eram burguesas, família bem
estruturada... Mas o tipo havia se sujeitado ao vício, à trapaça e ao acordo
com os nazistas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_51.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto