domingo, 11 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – dos desejos de permanecer afastado de engajamentos políticos; visita do desafeto Lachaume; ideia do “comitê de defesa dos malgaxes”; um pouco sobre o MSDR

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_10.html antes de ler esta postagem:

Henri não tinha a menor intenção de voltar a se envolver com a política francesa... Tampouco pretendia incorporar-se a mobilizações em defesa deste ou daquele ativista de qualquer parte...
Em Saint-Martin sentia-se acolhido pela aromática sombra da tília... O som de um carro de boi ao passar pela estrada e o delicado quarteto de César Franck traziam-lhe paz imensurável... Era isso o que sempre quis.
Observou Nadine em sua quietude e contemplação da música que apreciava. É disso mesmo que precisava... Não tinha de se meter nos assuntos de Tananarive (Antananarivo, ou Tana, como é atualmente conhecida a capital de Madagascar)... Em vez disso, devia se dedicar à felicidade da esposa e à educação da pequena Maria.
Sobre a mesa estavam os papéis onde rascunhava o texto que daria forma ao seu próximo livro... Sentia-se muito bem.
(...)
A Vigilance do mês de agosto (é bom que se saiba que o ano é 1947) publicou seu artigo sobre o que se passava em Madagascar.
O texto reforçava a ideia de que o que havia escrito anteriormente não chegava aos pés da monstruosa verdade sobre o que ocorria na ilha separatista... As atrocidades ocorriam na capital e em outras partes de Madagascar... Os jornalistas, as Câmaras francesas, o “Tribunal de Cassação”, o presidente da República e todos os que se silenciavam diante dos crimes eram cúmplices.
Execuções sumárias dos líderes das forças de libertação, atentados aos seus advogados, tortura aos acusados eram apenas alguns dos horrores testemunhados por militantes que se arriscavam a enviar dossiês.
Ao analisar a publicação, Henri concluiu que seu texto contribuiria para esclarecer uma quantidade maior de leitores... Depois considerou que aquilo “não era grande coisa”.
Mas o que haveria de fazer? Estava decidido a se afastar daquele tipo de discussão... Além do mais, sua dedicação à repercussão da situação em Madagascar (diariamente investigava os pequenos artigos de jornais que reportavam o processo) fazia com que se atrasasse ainda mais na conclusão de seu livro.
(...)
Certa manhã, enquanto trabalhava com os manuscritos, Lachaume apareceu... O tipo parecia ter envelhecido mais do que o normal... Antecipou que entendia que Henri não o quisesse recebê-lo, mas tinha informações a respeito do “caso malgaxe” que podiam interessar-lhe.
A visita podia ser das mais desconfortáveis... Sobretudo porque Lachaume havia sido o autor de “Abaixo as máscaras”, que o desqualificara (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-fim.html). Então o rapaz foi dizendo que os rancores deviam ser guardados porque havia “vidas humanas a salvar”... Na realidade Henri já não remoía aqueles episódios.
(...)
Lachaume começou dizendo que o texto de Henri na Vigilance era muito bom... O conteúdo tinha potencial para provocar agitações... Henri deu de ombros ao mesmo tempo em que disse que não havia ocorrido grande coisa após a publicação.
O rapaz revelou que estava ali para oferecer-lhe um tipo de ação “mais ampla”... Disse que não esperava que ele a recusasse...
Em síntese, a ação consistia na formação de um “comitê de defesa dos malgaxes”... Alguém teria de fazer algo! Nada podiam esperar dos pequenos burgueses, então os comunistas tomavam a iniciativa.
Henri respondeu que até aquele momento eles também não haviam feito grande coisa.
Lachaume destacou que o que se processava em Madagascar visava atingir o partido e liquidar o MDRM*. Então, pela lógica do rapaz, se os comunistas “fizessem muito barulho” na defesa dos perseguidos podiam provocar ainda mais repressão aos rebeldes malgaxes.

                        * Movimento Democrático da Renovação Malgaxe, grupo político fundado em Paris em fevereiro de 1946, que se mobilizou em torno da independência de Madagascar e conseguiu eleger muitos delegados nas eleições de janeiro de 1947. Os adversários do MDRM se concentravam no PADESM (Partido dos Deserdados de Madagascar)... Os conflitos entre os dois grupamentos provocou a proclamação de um Estado de Sítio. Os episódios narrados em “Os Mandarins” fazem referência à violenta perseguição a inúmeros militantes e delegados legitimamente eleitos. Tribunais militares e cortes criminais procediam a julgamentos que resultavam em prisões e condenações à morte.

A ideia de Lachaume era a de constituir um comitê formado por maioria não comunista... Depois que lera o artigo de Henri, entendera que ele era dos mais qualificados... Ele explicou que precisava saber se estava de acordo... Aliás, os companheiros de partido aprovaram o nome de Henri, mas alguns (como Lafaurie) queriam ter certeza de que ele aceitaria o convite para procederem à proposta oficial.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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