Depois de deixar os pertences de Antônio Claro sobre a mesa, Tertuliano anunciou sua partida... Disse que esperava que um dia Helena o perdoasse.
Ela respondeu que “perdoar” não passa de uma palavra... O professor redarguiu dizendo que “as palavras são tudo o que temos”.
Para onde iria? Helena quis saber... Ele disse que “por aí”... Sobreviveria... Recolheria os cacos e “disfarçaria as cicatrizes”.
Evidentemente viveria como Antônio Claro... Tertuliano estava oficialmente morto.
(...)
A mulher segurava a aliança que pertencera ao marido... O jornal com a
notícia fatídica repousava embaixo de sua mão direita... De repente ela quis
saber se ainda haveria alguém que o chamaria de Tertuliano... Ele respondeu que
a mãe era viva e se encontrava na cidade por conta dos contatos policiais e do
sepultamento do filho.
Helena disse que também ela poderia chamá-lo de
Tertuliano... O professor adiantou-se a responder que não haveria ocasião para
isso porque estava decidido a partir... Não se encontrariam mais.
Ela disse que aquela possibilidade só dependia dele.
Tertuliano demorou a entender.
Então Helena explicou que ele podia ficar e tomar o lugar que fora de
Antônio Claro... Em tudo o mais ele poderia ser seu marido... Assim a vida
prosseguiria e não haveria traumas em razão de ter tirado (a vida) do esposo.
(...)
Para Helena era simples assim... Tertuliano assumiria o lugar de Antônio
Claro. Viveriam juntos no mesmo apartamento.
O professor explicou que
não era bem assim... Sequer nutriam amor um pelo outro!
Ela não discordou... Ele
acrescentou que ela poderia vir a odiá-lo no futuro... Esse também podia ser o
seu caso em relação a ela.
Helena sentenciou que
aceitava o risco... Tertuliano queria mostrar que a ideia beirava a loucura...
O caso era que o marido dela tinha família (pais, irmãos...) e nesse caso, como
poderia se passar por ele?
Também para isso ela tinha solução, pois garantiu que o ajudaria...
Outra situação complicada era o fato de o finado ter sido ator enquanto ele era
professor de História.
A mulher estava decidida e
respondeu que ele teria de “recompor a vida” aos poucos... Cada coisa a seu
tempo...
Por fim, Tertuliano disse que poderia acontecer de amá-la...
Certamente não a odiava... Helena respondeu que esse também era o seu caso.
Neste ponto da conversa ela se levantou e se aproximou dele. Mas não foi
para beijá-lo... Em vez disso, pegou sua mão esquerda e com calma ajeitou a
aliança em seu dedo.
Ele a puxou para junto de si.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-o.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto