A chegada de Nadine interrompeu as reflexões de Henri e sua conversa com Dubreuilh.
Ela foi entrando com muita animação, fez uma saudação jovial, chamou os pares de beberrões e disse que podiam beber à sua honra.
Perron estranhou e quis saber o motivo de tamanha alegria... Ela contou que dirigiu até Paris e fez uma visita a L’Espoir... Na redação encontrou Lambert, Volange, Samazelle e outros tipos que não conhecia.
Nadine sorria enquanto falava. Quase não se conteve quando disse que tratou diretamente com Lambert para deixar claro que tinha uma dívida antiga com ele... Tudo isso para esbofeteá-lo diante dos companheiros conservadores.
Henri perguntou sobre qual havia sido a reação do tipo... Ela respondeu que Lambert “assumiu ares importantes”, agarrou-se no pouco de dignidade que lhe restava e principiou a falar qualquer coisa... Mas sobre o conteúdo ela não podia dizer nada, pois se virou no mesmo instante para se retirar do escritório.
Para Henri, seria importante saber se Lambert não teria dito que o acerto das diferenças entre ambos devia ser feito entre os dois pessoalmente... Estava claro que não concordava com a atitude de Nadine, mas também não sentia nenhuma disposição para repreendê-la.
Ela esperava que a felicitassem... Todavia, Dubreuilh disse que não considerava “grande proeza” a investida da filha. No mesmo instante, Nadine retrucou. Comentou que logo que deixou o prédio encontrou Vincent, e este a chamou de “extraordinária” e lhe disse que “havia feito muito bem”.
Dubreuilh respondeu que, se o que ela desejava era publicidade nos jornais, estava tudo certo... Nadine negou... Vociferou que não ligava para os jornais... Mais uma vez o pai discordou e emendou que sua atitude demonstrava o contrário.
(...)
Nadine
tornou-se irritada e disse que estava tudo bem, não ligava se os demais não se
importavam de terem a honra e os nomes atacados... Mas esse não era o seu
caso... Voltou-se para Henri e culpou-o de ter elaborado o livro a partir das
suas relações com ela, Anne e Robert Dubreuilh.
Henri respondeu que ela sabia que seus personagens
eram inventados... Nadine disse que ele não a convencia porque em vários
trechos pôde detectar situações que podiam ser aplicadas a ele e a Robert...
Pelo menos três frases haviam sido proferidas por ela em suas conversas com
ele.
Perron insistiu que as
frases e as diversas situações podiam ser relacionadas a inúmeras pessoas... No
final das contas elas vivem situações muito parecidas umas com as outras.
Milhões de seres humanos se identificariam com o enredo, mas em sua opinião os
personagens não eram inspirados especificamente neles.
Nadine não aceitou as
explicações... Disse que devia ter protestado antes... Entendia que se tornava
cada vez mais difícil conversar com ele porque nunca se saberia se os conteúdos
dos diálogos (a partir de palavras ditas à toa) seriam registrados para publicação
em seu próximo livro.
Henri explicou que os
que escrevem romances recolhem frases e situações do convívio com pessoas reais...
Ainda insatisfeita, Nadine disse que pelo visto o mais correto seria não ter de
lidar com escritores.
(...)
Depois
que Henri sentenciou que não precisavam fazer um drama com a situação, ela se
acalmou... Nadine olhou para os três e disse que eles é que pareciam
julgá-la... No mesmo instante, Anne respondeu que ninguém a julgava. E mais!
Não era de todo ruim saber que Lambert havia levado uma merecida bofetada.
Nem Dubreuilh nem Henri
pareciam querer prolongar o assunto... Foi por isso que perguntou a respeito de
Vincent... O que ela andava a fazer? Estaria na rádio?
Nadine
contou que Vincent encontrara Sézenac... O tipo estava instalado num pequeno
hotel pelos lados de Batignolles... Mas aconteceu que quando Vincent apareceu
esmurrando a porta o outro se recusou a recebê-lo... Evidentemente Vincent
queria saber a respeito da atuação de Sézenac ainda ao tempo da Resistência,
quando teria colaborado com os nazistas entregando-lhes vários judeus.
Como
não conseguiu entrar, Vincent permaneceu diante do hotel... Mas Sézenac escapou
por uma escada de emergência. Já fazia três dias que Vincent o procurava pelos
bares e outros locais onde o fugitivo conseguia drogas.
Para
Nadine, isso era um sinal claro de que Sézenac havia sido mesmo um criminoso...
Henri advertiu que dependia muito do que Vincent lhe dissera à porta, pois até
mesmo um inocente pode se sentir encurralado com certas ameaças.
De
acordo com Nadine, se ele fosse inocente procuraria se explicar, e não escapar
pelos fundos. Anne disse que o rapaz era “viciado no mais alto grau”...
(...)
Henri,
Anne e Robert silenciaram.
Henri
ficou a imaginar que talvez as coisas se complicassem... Bastava Sézenac falar
a respeito de seu depoimento mentiroso para livrar a cara do colaboracionista
Mercier... Também podia acontecer de Lambert ter ficado furioso o suficiente
para atacá-lo mais abertamente também a este respeito.
(...)
Nadine observou o silêncio e pronunciou que talvez
fosse melhor não dizer-lhes nada... Henri pensou sem convicção que os Dubreuilh
podiam estar refletindo sobre o mesmo que ele... Então comentou que a história
que ela contara era de conteúdo esquisito, e por isso silenciaram.
Nadine se retirou... Disse
que ia ver se estava tudo bem com a pequena Maria... Antes, porém, manifestou
que Henri não precisava se justificar, pois ela entendia perfeitamente que eles
eram mais experientes...
O que a divertia não era
divertido para eles. Tudo dentro da normalidade.
Evidentemente estava sendo irônica...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-nem.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto