segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Nadine e seu desagravo a Lambert; no cotidiano das pessoas reais, a inspiração para a construção dos personagens fictícios; Vincent no encalço de Sézenac

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_16.html antes de ler esta postagem:

A chegada de Nadine interrompeu as reflexões de Henri e sua conversa com Dubreuilh.
Ela foi entrando com muita animação, fez uma saudação jovial, chamou os pares de beberrões e disse que podiam beber à sua honra.
Perron estranhou e quis saber o motivo de tamanha alegria... Ela contou que dirigiu até Paris e fez uma visita a L’Espoir... Na redação encontrou Lambert, Volange, Samazelle e outros tipos que não conhecia.
Nadine sorria enquanto falava. Quase não se conteve quando disse que tratou diretamente com Lambert para deixar claro que tinha uma dívida antiga com ele... Tudo isso para esbofeteá-lo diante dos companheiros conservadores.
Henri perguntou sobre qual havia sido a reação do tipo... Ela respondeu que Lambert “assumiu ares importantes”, agarrou-se no pouco de dignidade que lhe restava e principiou a falar qualquer coisa... Mas sobre o conteúdo ela não podia dizer nada, pois se virou no mesmo instante para se retirar do escritório.
Para Henri, seria importante saber se Lambert não teria dito que o acerto das diferenças entre ambos devia ser feito entre os dois pessoalmente... Estava claro que não concordava com a atitude de Nadine, mas também não sentia nenhuma disposição para repreendê-la.
Ela esperava que a felicitassem... Todavia, Dubreuilh disse que não considerava “grande proeza” a investida da filha. No mesmo instante, Nadine retrucou. Comentou que logo que deixou o prédio encontrou Vincent, e este a chamou de “extraordinária” e lhe disse que “havia feito muito bem”.
Dubreuilh respondeu que, se o que ela desejava era publicidade nos jornais, estava tudo certo... Nadine negou... Vociferou que não ligava para os jornais... Mais uma vez o pai discordou e emendou que sua atitude demonstrava o contrário.
(...)
Nadine tornou-se irritada e disse que estava tudo bem, não ligava se os demais não se importavam de terem a honra e os nomes atacados... Mas esse não era o seu caso... Voltou-se para Henri e culpou-o de ter elaborado o livro a partir das suas relações com ela, Anne e Robert Dubreuilh.
Henri respondeu que ela sabia que seus personagens eram inventados... Nadine disse que ele não a convencia porque em vários trechos pôde detectar situações que podiam ser aplicadas a ele e a Robert... Pelo menos três frases haviam sido proferidas por ela em suas conversas com ele.
Perron insistiu que as frases e as diversas situações podiam ser relacionadas a inúmeras pessoas... No final das contas elas vivem situações muito parecidas umas com as outras. Milhões de seres humanos se identificariam com o enredo, mas em sua opinião os personagens não eram inspirados especificamente neles.
Nadine não aceitou as explicações... Disse que devia ter protestado antes... Entendia que se tornava cada vez mais difícil conversar com ele porque nunca se saberia se os conteúdos dos diálogos (a partir de palavras ditas à toa) seriam registrados para publicação em seu próximo livro.
Henri explicou que os que escrevem romances recolhem frases e situações do convívio com pessoas reais... Ainda insatisfeita, Nadine disse que pelo visto o mais correto seria não ter de lidar com escritores.
(...)
Depois que Henri sentenciou que não precisavam fazer um drama com a situação, ela se acalmou... Nadine olhou para os três e disse que eles é que pareciam julgá-la... No mesmo instante, Anne respondeu que ninguém a julgava. E mais! Não era de todo ruim saber que Lambert havia levado uma merecida bofetada.
Nem Dubreuilh nem Henri pareciam querer prolongar o assunto... Foi por isso que perguntou a respeito de Vincent... O que ela andava a fazer? Estaria na rádio?
Nadine contou que Vincent encontrara Sézenac... O tipo estava instalado num pequeno hotel pelos lados de Batignolles... Mas aconteceu que quando Vincent apareceu esmurrando a porta o outro se recusou a recebê-lo... Evidentemente Vincent queria saber a respeito da atuação de Sézenac ainda ao tempo da Resistência, quando teria colaborado com os nazistas entregando-lhes vários judeus.
Como não conseguiu entrar, Vincent permaneceu diante do hotel... Mas Sézenac escapou por uma escada de emergência. Já fazia três dias que Vincent o procurava pelos bares e outros locais onde o fugitivo conseguia drogas.
Para Nadine, isso era um sinal claro de que Sézenac havia sido mesmo um criminoso... Henri advertiu que dependia muito do que Vincent lhe dissera à porta, pois até mesmo um inocente pode se sentir encurralado com certas ameaças.
De acordo com Nadine, se ele fosse inocente procuraria se explicar, e não escapar pelos fundos. Anne disse que o rapaz era “viciado no mais alto grau”...
(...)
Henri, Anne e Robert silenciaram.
Henri ficou a imaginar que talvez as coisas se complicassem... Bastava Sézenac falar a respeito de seu depoimento mentiroso para livrar a cara do colaboracionista Mercier... Também podia acontecer de Lambert ter ficado furioso o suficiente para atacá-lo mais abertamente também a este respeito.
(...)
Nadine observou o silêncio e pronunciou que talvez fosse melhor não dizer-lhes nada... Henri pensou sem convicção que os Dubreuilh podiam estar refletindo sobre o mesmo que ele... Então comentou que a história que ela contara era de conteúdo esquisito, e por isso silenciaram.
Nadine se retirou... Disse que ia ver se estava tudo bem com a pequena Maria... Antes, porém, manifestou que Henri não precisava se justificar, pois ela entendia perfeitamente que eles eram mais experientes...
O que a divertia não era divertido para eles. Tudo dentro da normalidade.
Evidentemente estava sendo irônica...
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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