Para Nadine, a postura de Henri e dos pais só podia ser entendida como covarde... Não foi por acaso que se retirou violentamente e manifestando a sua opinião.
Anne disse que a entendia... E referiu-se ao Diego, tão querido pela filha, assassinado ao tempo da ocupação.
Anne tornou-se triste... Estava prestes a chorar quando solicitou a Robert e a Henri que transportassem Sézenac ao pavilhão, onde havia preparado uma cama. Desde que tomara a injeção o tipo dormia pesadamente e não era aconselhável deixá-lo na sala de jantar.
Henri comentou que ao tempo da Resistência ele mesmo seria capaz de matá-lo... No momento não via o menor sentido numa execução... Em contrapartida entendia que era escandaloso ajudá-lo a sobreviver.
Dubreuilh disse que não havia solução que pudessem considerar satisfatória... O melhor seria não haver nenhum problema... De qualquer modo teriam de tomar uma decisão arbitrária. Pelo menos naquele momento, o mais correto seria encaminhar o rapaz para a cama do pavilhão conforme Anne havia sugerido.
(...)
Os olhos fechados de Sézenac em seu sono profundo
davam ao seu rosto certo ar de serenidade... Anne puxou uma coberta sobre suas
pernas enquanto comentava que, dormindo, o rapaz nada tinha de ofensivo.
Henri lembrou que, independentemente do uso frequente de drogas, ele
vivia perigosamente... Sézenac sabia de muita coisa sobre tipos
colaboracionistas como ele mesmo, por isso não eram poucos os que pretendiam sua
morte... O grupo de Vincent vivia à caça desse tipo de gente... Isso era algo
que Sézenac pretendia denunciar à polícia... Por outro lado, sabendo que
Vincent conhecia as denúncias de seu envolvimento com a Gestapo, tinha mesmo
muito a temer.
Dubreuilh sugeriu que Anne o entrevistasse em momento oportuno tentando
coletar informações importantes... De acordo com a sua opinião, os viciados em
drogas “falavam com facilidade”... Depois pensariam em embarcá-lo para longe da
França.
(...)
Henri deixou Anne e Dubreuilh envolvidos em questionamentos sobre
Sézenac, sua traição, e seu lastimável estado físico e psicológico.
Aproximou-se da janela de seu quarto e também pensou no rapaz...
Lembrou-se da noite de Natal, quando todos se felicitavam no estúdio de
Paule... Também Sézenac, um traidor, estava presente em meio aos companheiros
que festejavam o final da guerra, as vitórias norte-americana e soviética...
O tempo presente estava
carregado de novos traumas.
Por algumas horas, Henri permaneceu a contemplar as
luzes dos faróis dos carros que trafegavam as subidas e decidas da estrada ao
longe.
(...)
Ainda não dormia
pesadamente quando teve a sensação de que sonhava com o bater de granizo contra
a janela... Despertou... Nadine estava em seu quarto, mas não era de lá que
vinha o barulho... De repente uma quantidade maior de pedrinhas foi lançada a
partir do jardim. Ele abriu a janela imaginando que encontraria Sézenac.
Surpreendeu-se ao
notar Vincent... Vestiu-se e desceu imediatamente. O rapaz estava sentado num
dos bancos e movimentava nervosamente o pé esquerdo.
Henri quis saber o que ele fazia na casa de Dubreuilh àquela hora da
madrugada... Vincent perguntou se ele estava com o carro... O motivo era
simples... Matara Sézenac e precisava retirar o corpo.
Vincent explicou que usara
sua “arma silenciosa”... O problema é que o organismo do tipo não reagira
adequadamente aos “tabloides de fósforo” e não queimou como deveria. Seu grupo
havia subtraído vários desses tabloides dos alemães no maqui, mas ao que tudo
indicava estavam um tanto envelhecidos.
Henri também se sentou e perguntou por que Vincent
fizera aquilo... Sabia que ele era capaz de matar e conhecia sua fama de “justiceiro”,
mas custou a processar o que lhe dissera. Então quer dizer que ele ficara por
três horas esperando que sua vítima queimasse?
Henri conseguiu pronunciar que estavam providenciando a retirada de
Sézenac “para uma floresta” de onde não conseguiria retornar.
Mas isso não importava para Vincent... Interessava
saber que o delator estava apagado... Lembrou-se do iludido Chancel, que o
apresentava como “meu irmãozinho”...
Vincent dizia com alívio que desconfiara a tempo, pois o outro podia entregá-lo
à polícia.
Henri perguntou sobre como ele soube que Sézenac estava instalado ali...
Ele explicou que ficara no encalço do tipo... Chegara de bicicleta e teria
transportado os restos mortais num saco, depois colocaria uma pesada pedra e
lançaria tudo ao rio... Isso só não ocorreu porque o corpo não queimou por
completo.
Na sequência, Vincent pediu que se
apressassem... Já sabia o local exato onde despacharia. Henri nada disse e não esboçou
movimento... Ficou perplexo como se o Vincent estivesse a pedir-lhe que
assassinasse Sézenac com as próprias mãos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_22.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto