Ainda a respeito do primeiro evento do comitê em defesa da causa malgaxe, Henri dizia que, de qualquer modo, nenhuma ação conduzia “a parte alguma”... Suas palavras rebatiam a opinião de Dubreuilh, que insistia que faltara estrutura e organização... Para ele, o grupo carecia de um jornal e alguma arrecadação que possibilitasse planejamento mais adequado.
Então, para Robert, futuras ações tinham de ser melhor sucedidas também graças à experiência do encontro. Henri era taxativo ao afirmar que não ocorreriam novas reuniões... Evidentemente, Dubreuilh observava que não acreditava que Perron estivesse “morto para a política”, já que entendia que seu histórico o levaria a “empolgar-se novamente”.
(...)
Às provocações de Robert, Henri respondia que seu
projeto de vida baseava-se em retirar-se para a Itália... Na ocasião em que
falavam a respeito dos tímidos resultados do encontro promovido pelo comitê
proposto por Lachaume, Dubreuilh disse que podia apostar que Henri não
completaria um ano de “reclusão” na Itália.
Nadine se intrometeu
garantindo que aceitava a aposta... Disse que estava segura a respeito porque o
lugar e a casa onde viveriam eram muito bonitos... Chamou Anne para testemunhar
a seu favor, afinal ela vira fotografias do lugar.
Anne estava com ares de muito cansaço... Respondeu apenas que “parece muito
bonito”... Depois pediu desculpas e se retirou reclamando do sono. Dubreuilh
aproveitou para também se deitar. Nadine desejou que a mãe pudesse dormir
melhor.
A sós, Henri e Nadine trocaram palavras a respeito da
condição de Anne... Para Nadine, a mãe sentia falta da América... E comentou
que, se assim era, devia ter permanecido indefinidamente nos Estados Unidos.
Henri quis saber se Anne havia contado algo sobre a última viagem e
Nadine respondeu que ela era “toda cheia de segredos”.
Henri observou que a relação das duas era mesmo muito estranha... Nadine
explicou que a amava, mas era certo que muitas vezes irritava-se com Anne... A
recíproca devia ser verdadeira.
Era estranho mesmo... Henri pensou sobre o fato de as duas irem aos
extremos na defesa uma da outra... Todavia “alguma coisa não colava”... Era
Anne aparecer e Nadine tornava-se agressiva e teimosa.
(...)
Os dias seguintes foram marcados por esforços das duas.
Tornou-se comum vê-las
juntas, menos carrancudas... Riam, mas sempre havia o risco de os gracejos que
trocavam anunciarem novos desentendimentos.
Certa manhã, Nadine e Anne
retiraram-se pelo jardim... Estavam alegres e caminhavam de braços dados. A
partir de seu quarto, Henri as viu quando se retiraram e também quando
retornaram.
À chegada não se
verificava nenhuma harmonia. Pelo contrário! Estavam discutindo... Nadine
trazia alguns jornais.
Quando desceu para o almoço, Henri notou que Dubreuilh lia Lespoir Magazine. Nadine estava ao seu
lado... Ensimesmada, Anne acomodou-se num canto. Depois de cumprimentar a
todos, ele quis saber das novidades. Nadine estava visivelmente irritada e
apontou para o jornal. Na sequência, ao mesmo tempo em que anunciava o motivo
de sua irritação, sugeriu que Henri partisse para a agressão física contra
Lambert.
Ele pareceu não dar
importância, já que as palavras de Nadine revelavam o óbvio... Certamente o
desafeto da família escrevera um artigo tecendo críticas à sua produção
textual.
Nadine emendou que não era apenas ele o criticado...
Dubreuilh mostrou-lhe o jornal onde se lia o título do artigo, “Auto-Retratos”.
Em síntese, Lambert insistia que Henri estava em franca decadência. De acordo
com suas palavras, o “brilhante começo” literário de Perron se perdeu por causa
da influência de Dubreuilh...
“Auto-Retratos” apresentava um resumo do livro lançado por Henri... De
acordo com Lambert, faltava talento para o autor... Mas seu texto também era
medíocre. O conteúdo pretensamente jornalístico não conseguia esconder os
ataques de ordem pessoal... Detalhes da vida de Henri, Nadine Anne e Dubreuilh
estavam escancarados...
Nem se pode dizer que só havia falsidades... Mas o
objetivo era claro... Lambert passava uma impressão odiosa de Henri e dos
Dubreuilh, apresentados como “privilegiados de esquerda” e dados a hábitos
ridículos.
Nadine voltou a insistir que Henri devia partir para as “vias de fato” e
quebrar a cara do outro... Ele respondeu que tinha vontade de fazer isso,
todavia argumentou que não ganhariam nada se assim procedesse... Pelo
contrário! Provavelmente os jornais repercutiriam ainda mais negativamente...
Era tudo o que Lambert queria! Ou seja, oportunidade para aparecer e tecer
novas críticas ao que considerava inimigos.
Dubreuilh concordou... Lambert desejava publicidade... Retaliação seria
a pior das ações... Irritada, Nadine argumentou que a inação possibilitaria maior
encorajamento de Lambert.
Henri lamentou, mas acrescentou que todos os que se propunham a escrever
sujeitavam-se às mais ácidas críticas... Nadine não aceitava ser atingida, além
do mais não era autora como os pais ou Henri.
Anne contemporizou ao garantir que todos acabam
se acostumando aos “reveses literários”... E para interromper os lamentos e
irritação, sugeriu que fossem almoçar.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_15.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto