terça-feira, 20 de dezembro de 2016

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Sézenac no fundo do poço; Nadine exige esclarecimentos e punição exemplar sem entender o zelo dos pais e do marido; segredos?; de punição, vingança e “má fé”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-nem.html antes de ler esta postagem:

Anne e Robert Dubreuilh assistiam a tudo sem se manifestar... Eles sabiam que se quisessem obter informações tinham de aguardar as respostas demandadas por Nadine.
Ela agarrou o tipo pelos cabelos com mais agressividade ainda... Gritou que sabiam que ele entregara muitos judeus. Era preciso que ele respondesse quando começou a colaborar com os nazi! Era preciso revelar quantos judeus haviam sido entregues!
Sézenac reclamou que estava sendo machucado por ela... Depois disse que ajudava os judeus a “passarem”. Nadine o corrigiu dizendo que ele não os ajudava e, ao contrário, os entregava à morte. Depois exigiu que ele confessasse de uma vez.
Via-se que o rapaz não tinha a menor condição física ou psicológica de esclarecer os fatos... Começou a dizer que de vez em quando tinha de “entregar um para salvar aos demais”. E protestou ao dizer que estavam sendo injustos com ele porque sua ação era destinada a “salvar os judeus”.
Nadine esbravejou mais uma vez ao dizer que o contrário era a verdade. Na certa ele devia salvar um a cada vinte que “passava” aos nazi. Novamente insistiu que ele respondesse quantos havia entregado.
Sézenac gritou que não sabia... Depois pediu que não o deixassem morrer.
Anne interveio... Disse que bastava de agonia. Aproximou-se do rapaz e arregaçou a manga de sua camisa...
(...)
Nadine voltou-se para Henri e quis saber se ele estava convencido a respeito da atuação traiçoeira de Sézenac. Ele respondeu afirmativamente, mas não conseguia acreditar...
Para Henri, a visão do jovem com gravata vermelha e fuzil ao ombro a percorrer as barricadas era forte demais.
De volta ao escritório, Henri quis saber dos Dubreuilh o que fariam com Sézenac... Nadine respondeu que não tinham de perguntar mais nada... Era só uma questão de meter-lhe um balaço na cabeça.
Robert quis saber se ela dispararia a arma... Dirigindo-se ao telefone, Nadine respondeu que não daria o tiro, mas telefonaria para a polícia naquele mesmo instante.
Dubreuilh e também Henri se espantaram com a ideia... Não era possível que ela pretendesse entregar o tipo à polícia! Nadine mostrou que não se importava... Como sustentar escrúpulos por um traidor que havia entregado dezenas de judeus aos nazistas?
Dubreuilh insistiu para que a filha deixasse o telefone e sustentou que precisavam tomar uma decisão... Chamar a polícia estava fora de questão... Mas também não podiam dar-lhe abrigo, cuidar de sua saúde e devolvê-lo à sua ocupação como se nada tivesse ocorrido no passado e também como se não andasse aprontando no presente.
Ao tempo da Resistência não teriam dúvidas... A “ação era uma realidade viva” e o traidor seria executado sem maiores discussões.
Anne sugeriu que cuidassem de Sézenac por uns dias... O tipo estava muito doente... Depois o entregariam para que fosse mandado “a alguma colônia distante” (citou a AOF – África Ocidental Francesa; território que corresponderia ao Senegal, Mauritânia, Costa do Marfim...) e certamente não mais retornaria, pois temia ser perseguido e morto na França... Dubreuilh quis saber ainda o que ocorreria ao moço... Sugeriu que talvez pudessem elaborar uma “carta de recomendação”.
(...)
Nadine ouvia e mais ficava indignada... Ironicamente sugeriu que arranjassem uma renda ao tipo. Anne respondeu que todos podiam notar que Sézenac estava um trapo e que certamente não se desintoxicaria.
Inconformada, Nadine manifestou que ele não podia se sair tão bem. Henri disse que muitos haviam se saído bem de suas tramas ao tempo da ocupação.
Neste momento, Nadine o olhou fixamente e perguntou se não estaria com medo de algo mais que Sézenac pudesse revelar. Depois emendou que o tipo “parecia saber coisas” a respeito de Henri.
Dubreuilh a interrompeu afirmando que era provável que ele achasse que Perron fizesse parte do grupo de Vincent.
Nadine voltou-se para o pai e o fez lembrar-se do momento anterior à chegada de Anne e Henri... Sézenac dissera-lhe que, se começasse a falar, Henri “se arriscaria aos mesmos aborrecimentos” que ele.
Henri quis saber se ela estava pensando que também ele havia sido um “agente duplo”... Nadine respondeu que não sabia o que pensar, pois nunca lhe diziam tudo... Emendou que isso não significava grande coisa porque ela também não se importava com os segredos que os três mantinham... Salientou, porém, que pretendia que Sézenac pagasse pelos seus crimes.
Anne disse que podiam entendê-la, mas salientou que uma severa punição de pouco valeria... Isso não ressuscitaria os mortos.
Ainda inconformada, Nadine respondeu que a mãe falava exatamente como Lambert... Mas acrescentou que não era porque os mortos não ressuscitariam que teriam de esquecê-los... O correto seria pensar neles em vez de “beijar os pés dos assassinos”.
Anne redarguiu dizendo que todos se esqueciam dos mortos... E não podiam viver se culpando por causa disso! Sentenciou que ninguém tinha direito sobre o passado.
Nadine voltou à carga... Disse que não se esquecera. Anne respondeu que ela não era diferente dos demais... Argumentou que havia a pequena Maria, cuja existência nada tinha a ver com o passado.
(...)
Anne quis mostrar que o desejo de Nadine por uma punição ao Sézenac era “má fé” porque isso servia apenas para ela “provar o contrário a si mesma”. Quer dizer, puni-lo exemplarmente era esconder um pouco de seu distanciamento em relação aos horrores provocados pela guerra e a ocupação.
Nadine não concordou... Não se considerava como os demais, que se esqueceram dos perseguidos e mortos durante a ocupação nazista... Por fim acrescentou que a atitude contemporizadora de Henri e dos pais é que era “má fé”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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