Henri sentia que Nadine estava muito insatisfeita. Aquilo só podia ser consequência da vida que estavam levando em Saint-Martin junto a Robert e Anne.
Ela não quis mais conversa durante a noite... O que podia ser feito? Faltavam dez dias para se mudarem para a Itália... Ela e a pequena Maria viajariam no confortável carro leito da composição ferroviária. Depois viria a paz, o sossego.
Henri já se via respirando a atmosfera de permanente veraneio... Mas não era sempre que essa sensação agradável o invadia... Havia ocasiões em que a mudança lhe parecia pesada, e era com rancor que se sentia “como se o tivessem exilado contra a vontade”.
No dia seguinte, Henri pensou sobre a longa conversa que tivera com Robert. Não havia como não concordar com o seu modo de pensar... Obviamente o contexto no qual todos estavam inseridos exigia opções. Não se tratava simplesmente de escolher o “menor mal”, pois acima de tudo está a humanidade. Dubreuilh havia se definido coerentemente com a sua formação humanista, e era essa postura que ele esperava de Henri.
Todavia os rumos que Henri dera à vida evidenciavam que ele preferira o “vazio” em detrimento do “pleno”... Lembrou que era isso o que mais criticava em Paule. Seria possível que a mudança pela qual passara o levasse aos posicionamentos acanhados e estéreis que tanto rejeitava?
(...)
Há um trecho em que Beauvoir nos apresenta Henri
problematizando suas opções. Temos que adiantar que as reflexões são importantes
também para entendermos o desenrolar dos fatos.
O raciocínio tem sua
complexidade, mas a análise comparativa é bem interessante.
Em síntese: Uma coisa é analisar a arte e a literatura... Outra é a
política.
Possuímos nossas limitações, mas ainda assim nos pegamos a criticar
belíssimas obras... A literatura ou a arte não são “supraterrestres” e devotamos
“amor absoluto” àquelas que apreciamos.
No campo da política não é bem assim. Há o mal, que não é apenas um “bem
menor” porque dele advém a desgraça e a morte.
Para se sentir autorizado a se abster completamente das ações (que era o
que a mudança para a Itália significava), o sujeito teria de se convencer que
“de qualquer maneira, a história é deplorável”.
(...)
As reflexões de Henri o
ocuparam por um bom tempo... Esteve matutando à sombra da tília até o começo da
noite, e seu silêncio só foi interrompido quando Anne o chamou do alto da
escadaria.
Num primeiro momento, achou
que ela quisesse lhe falar qualquer coisa a respeito de Nadine. Mas a surpresa
ficou por conta do anúncio da chegada de Sézenac.
Anne explicou que o
moço estava desesperado e em frangalhos... O tipo não parava de dizer que
estava sendo perseguido por pessoas que o queriam matar... O breve diagnóstico
da doutora era assustador... Fazia cinco dias que Sézenac estava fugindo em
total abstinência.
Ela apontou a porta da sala de jantar, mostrando que o rapaz se encontrava
estirado no divã... A seringa indicava que ela estava providenciando a injeção.
Mas Nadine a interrompeu dizendo que a medicação não podia ocorrer sem que
Sézenac respondesse algumas perguntas.
A moça o estivera importunando, mas ele não dissera
nada de relevante. Nadine abriu a porta e Henri pôde ver que o estado do traste
era mesmo lamentável... Ele estava deitado de costas no divã, gemia feito louco
e abria e fechava as mãos freneticamente... Pedia à Anne que lhe aplicasse
urgentemente a injeção.
Nadine parecia tranquilizá-lo ao dizer que logo ele
receberia uma dose de morfina...
O tipo virou o rosto suplicante e carregado de suor... Então Nadine foi
dizendo que antes de qualquer remédio ele devia responder a certas questões. Na
sequência emendou a primeira pergunta sobre quando ele teria começado a
trabalhar para a Gestapo.
Em vez de responder, Sézenac pôs-se a chorar e a dizer
que iria morrer... Suas pernas movimentavam-se violentamente como se estivesse
a dar pontapés no ar. Henri esperava que Anne colocasse um fim na deplorável
cena, mas ela permaneceu imóvel.
Nadine insistiu... De modo agressivo aproximou-se do divã e perguntou em
que ano ele havia começado o trabalho com a Gestapo... Ameaçou de impedir a
injeção se se recusasse a falar.
Ele espumava e tremia... Deu novos chutes em
direção ao vazio e gritou: “nunca!”. Henri tentou impedir que Nadine
continuasse com o suplício... Mas ela estava irredutível e pronunciou que se
ele não respondesse impediria a medicação... Pouco importava se ele morresse
ali mesmo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_20.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto