De posse do frasco venenoso, deitou-se na cama. Segurou-o firmemente e fechou os olhos... Transpirava copiosamente, mas não era de calor...
O medo a dominou. Apertou ainda mais o frasco. Sentiu que devia dominar o pavor. Esse confronto era decisivo e nele colocaria a alma. O veneno seria ingerido, ou do contrário toda conhecida angústia retornaria... Isso ela não podia suportar.
No embate era preciso manter as ideias devidamente ordenadas... Diego, sua jovialidade e ideais estavam mortos... O futuro pertencia à Maria, que no momento necessitava apenas de um berço aconchegante... Robert continuaria o seu caminho para a morte, Lewis para o esquecimento...
Recomeçar parecia terrível... O que diria? Uma crise de depressão a dominara e por isso estava cravada à cama. Mentira! Muitas vezes mentira a si mesma e aos demais... Chegara o momento “de fazer a verdade triunfar”... Dependia apenas dela! Ingerir o conteúdo do frasco venenoso significava dar a vitória à morte. E isso parecia ser o mais razoável.
(...)
Só depois de algum tempo é que Anne reabriu os
olhos... Era dia, mas isso não importava... O silêncio reinava no interior da
casa, e também no jardim... O medo fora dissipado... A morte tinha caminho
aberto.
De repente pôde distinguir ruídos vindos da área externa, e também
alguns passos. Todavia era como se estivesse surda a qualquer episódio. De
fato, ouviu nitidamente a irritada Nadine protestar que a mãe não podia ter
deixado Maria sozinha, mas suas palavras não tinham a menor possibilidade de
provocar qualquer reação.
Anne não soube explicar... A verdade é que o silêncio
interior que a dominava foi incomodado por algo como que um “eco fraco” de um
diminuto ruído.
Precariamente entendeu que abandonara a pequena Maria no gramado... Ela
podia ter sofrido um acidente, um cão ou um gato teria se aproximado. Algo
terrível para uma criatura tão indefesa!
Reconheceu que a reação das pessoas em nada denunciava tragédia... Do
jardim ecoavam risos... Aquilo a despertou de vez... Passou a reconhecer sua
falha e a imaginar Nadine manifestando toda sua indignação.
(...)
Podemos dizer que o embate entre a vida e a morte ainda não chegara ao
fim... Aquilo só podia ser um “período de prorrogação”!
Anne sentiu o rosto avivar-se... Sentiu o coração reacender... De modo
atropelado pensou no erro que cometera ao deixar Maria sozinha no gramado.
Olhou para as paredes... O
frasco permanecia em sua mão... Eles entrariam no quarto e ela nada mais
veria... A decisão de morrer imporia aos demais o cadáver. Não cogitara o
choque pelo qual passariam.
Ela levantou-se e se
colocou diante da penteadeira... Morreria e seu “passamento” seria vivenciado
pelos outros... Soluços e prantos de Nadine, talvez de Robert... À distância,
Lewis continuaria a ter “palavras dançando diante dos olhos”...
Os outros viveriam
sua morte... Essa certeza a dominou. Tinha esse direito? Permaneceu por bom
tempo diante do espelho... Estava salva, mas imaginava-se morta e com os lábios
azulados... Essa visão aterradora ficaria para os parentes.
A morte não havia entregado os pontos, continuava presente... Bastava
abrir o frasco com o “ácido prússico”.
Todavia os vivos de suas relações pareciam mais
presentes do que nunca.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/12/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_59.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto