Enquanto “não inventassem nada que possibilitasse voo às pessoas”, Helena considerava que talvez fosse melhor viverem como antigamente... Era demais ter de passar aqueles babados de vestido!
Em tudo a vida do passado devia ser bem melhor. “Saias de algodão ou de baeta” e muita simplicidade...
Esse “saudosismo” da garota por uma época que sequer havia vivenciado se baseava nas narrativas ouvidas de dona Teodora. A simplicidade dos tempos na Lomba a atraíam.
(...)
Helena
conta que a vida era simples, mas ninguém passava qualquer tipo de necessidade.
Se fosse preciso escrever algo era só extrair “uma pena da asa do pato” e
preparar um bico em sua ponta... Vestido para andar na roça? Também não era
problema porque havia algodão em abundância e era só pegar quantidade
suficiente, descaroçar, passar na cardadeira, fiar... Depois as escravas teciam
o pano no tear.
Como não havia
máquina de costura, os panos eram cosidos à mão... Sem fósforos, os ranchos
tinham de manter uma fogueira avivada por todo o tempo. Se ela se apagava,
juntavam algodão e disparavam um tiro para queimá-lo. Sim, a espingarda também
era utilizada para matar.
Ao
se lembrar deste detalhe, Helena explica que, apesar da vida pacata, alguns
praticavam maldades.
(...)
No final de seus
registros, a menina volta a refletir sobre os babados do vestido que estava
dando trabalho para ser passado... Será que os tempos antigos haviam sido mesmo
de “menos esforços”? Pode ser, mas malvadezas sempre ocorreram. Então
sentenciou que era uma bobagem pretender “viver naqueles tempos passados”.
Ainda sobre “babado”,
Helena cita o modo como a sua avó falava “em código” à Chiquinha sempre que
inesperadamente apareciam muitas filhas para jantar... Dona Teodora perguntava
sobre como ela se arranjaria com “tanto
franzido no babado”... Quando Chiquinha respondia que já havia “desfranzido”,
era porque a filha já tinha mandado colocar “mais água e couve no feijão”.
(...)
Os registros de 28 de
junho de 1894 foram reservados para destacar a reunião de tias e primos no novo
rancho que o tio Joãozinho estava organizando na Boa Vista. Ele fazia aniversário
no dia de São João (24 de junho, que havia caído num domingo) e por isso todos
o visitavam.
Como tudo era muito
recente, a instalação era também bem precária. O tio mandou cobrir dois quartos
com capim para que os familiares se instalassem.
Tudo estava sendo feito na base da improvisação... O rancho estava
completamente aberto, pois nem mesmo as portas tinham sido instaladas. O mato
estava alto e talvez por isso cobras eram avistadas com certa frequência.
(...)
O relato nos dá a entender que havia o “rancho velho” que tinha dois
quartos. O maior era utilizado pelo pai e pelo tio de Helena. O menor ficava
para Siá Etelvina, que cozinhava para os dois.
Siá Etelvina não escondia seu descontentamento
nessas ocasiões de reuniões da família porque seu trabalho dobrava. Por mais
que ela preparasse pratos para as tias e os primos, nunca ficavam totalmente
satisfeitos.
Zulmira, uma das que
chegaram com uma das tias, surrupiou uma lata de sardinha que o tio Joãozinho
escondia no madeiramento do forro. Helena achou graça e evidentemente não
deixou de aproveitar do petisco.
Ela garante que as crianças se divertiam muito, mas Etelvina as “deixava
na mão”. Como o próprio tio Joãozinho providenciava algo nas panelas, não chegavam
a passar fome.
Umas
tábuas na sala do rancho novo serviram de cama para os meninos. As meninas
dormiram todas juntas com as tias num dos quartos.
(...)
O rancho ficou muito bem localizado junto às gabirobeiras. Tudo muito
agradável.
Helena explica que neste mesmo 28 de junho todos se acomodaram
nas tábuas em frente da porta de entrada... Ester sentou-se num cupinzeiro e a
conversa seguiu fácil.Seu Alexandre, o pai de Helena, havia se colocado diante de Ester. De repente, sem nada dizer, ele encaminhou-se vagarosamente na direção do cupinzeiro. Todos notaram, mas ninguém ousou perguntar.
Ele viu que uma perigosa jararaca se aproximava da garota. Sendo um tipo dos mais calmos, seu Alexandre golpeou bem na cabeça do bicho com a sua “manguara de três-folhas” (um bastão).
Foi por pouco... A cobra estava armando o bote para cima da pobrezinha!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/05/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_26.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto