domingo, 21 de maio de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – sobre os dias de eleições no início da República Velha; “incentivos” aos potenciais eleitores; a influência do tio Joãozinho e as orientações de dona Teodora aos negros da chácara que podiam votar; considerações de Helena a respeito da animação das pessoas e sobre os resultados práticos das eleições; os registros de 15 de março de 1894; uma menina que gosta de ouvir os debates dos adultos; sobre o fim da Revolta da Armada e a aversão em relação a Floriano Peixoto

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/05/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_21.html antes de ler esta postagem:

Helena esclarece o que mais chamava a sua atenção nos dias de eleição.
As pessoas tomavam um partido, e isso significava basicamente apoiar este ou aquele candidato. Por ocasião da eleição todos sabiam quem votava a favor e quem votava contra os candidatos que apoiavam. Então “ninguém perdoava”.
Somos tentados a imaginar as gozações e discussões que ocorriam... A menina destaca a animação em torno da movimentação e falação dos adultos. Nessas ocasiões a cidade parecia não ter outra coisa que interessasse.
Mas depois que o dia de eleição chegava ao fim restava bem pouco do que se falar. Helena conta que o seu Cadete também se tornava centro de atenções... Ele distribuía roupa e botinas aos negros para que participassem da votação.
(...)
Como se sabe, apenas os homens maiores de 21 anos e alfabetizados podiam votar. Então os candidatos ou seus acólitos faziam de tudo para convencer os potenciais eleitores.
Helena explica que, na chácara, os negros “que sabiam ler” eram apenas Marciano, Roldão e Nestor. No dia da eleição, bem cedo, eles já se arrumavam com roupa limpa e tudo. Dona Teodora dava-lhes a recomendação de não conversarem com ninguém “nem aceitarem papel nenhum” que insistissem em entregar..
Então, o que deviam fazer? A avó de Helena explicava que eles não deviam sair de perto do tio Joãozinho. No momento de votar tinham de fazer o que ele mandasse. Os fiéis agregados de dona Teodora se enchiam de importância e saíam todo orgulhosos.
Os registros do dia 1º de março de 1894 foram encerrados com a opinião de Helena a respeito de toda aquela movimentação. A menina gostava de ver a animação de todos na cidade, mas não acreditava sinceramente que a política pudesse “adiantar alguma coisa” para aquela gente.

(...)

Nos registros de 15 de março de 1894 Helena ainda repercute a respeito do confronto entre as tropas governistas, fiéis a Floriano Peixoto, e os “custodistas” (que apoiavam os liderados pelo almirante Custódio de Melo na chamada Revolta da Armada).
Àquela altura todos conheciam o resultado do conflito. Sem dúvida contou para a vitória de Floriano a aquisição de embarcações de guerra nos Estados Unidos. A esquadra chegou ao Brasil conduzida por mercenários daquele país.
(...)
Helena desabafa por não entender por que tinha um gênio tão diferente dos demais parentes. Não suportava sofrer contrariedades, algo espantoso ante o modo conformado dos pais e irmãos. Eles nunca discutiam e nem eram dados a se intrometer em assuntos polêmicos!
Essa sua condição de não se resignar diante de certas adversidades a levava a pensar que a educação que os pais transmitem não pesa muito na formação do caráter da pessoa. Cada um é “como Deus o fez e assim terá de ser”.
A própria dona Carolina dizia algumas vezes que Helena nem parecia ser sua filha. E nem mesmo podia ser comparada às primas. O seu Alexandre era da opinião que ela se parecia muito com uma de suas irmãs. A menina não conhecia essa “tia inglesa” chamada Alice porque há muito tempo ela se casara com um doutor conhecido do “avô inglês”. Depois do casamento partiram para São Paulo e nunca mais voltaram à Diamantina.
Talvez a grande diferença entre o gênio de Helena e o de seus irmãos era o fato de ela prestar atenção à conversa dos adultos e se interessar pelos assuntos. Ela gostava disso e sempre tomava partido nas diversas questões.
Os irmãos eram pacatos. Mas o que ela podia fazer se, mesmo sabendo que não devia se intrometer nos debates dos adultos, sempre acabava formando um juízo?
(...)
Era o que vinha ocorrendo desde que se iniciara os conflitos entre a Armada liderada por Custódio de Melo e as tropas que defendiam Floriano e seu governo.
Helena sabia que o pai e os tios eram “custodistas”, e de tanto ouvi-los a respeito das maldades do presidente passou a sentir muita raiva dele.
A menina confessa que todas as noites antes de dormir vinha pedindo a Deus que lhe tirasse dos pensamentos o ódio e o desejo de que alguém matasse aquele “demônio”.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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