Passepartout caminhou em direção ao porto Victoria. Observou o movimento das ruas e os vários veículos usados pelas pessoas em suas idas e vindas. Chineses, japoneses e também muitos europeus caminhavam pelas calçadas.
Não havia o que estranhar. A sequência de cidades visitadas nas últimas semanas o levava a um sentimento de total interação. Por mais que se afastassem da Inglaterra, eram “cidades inglesas” que visitavam “ao redor do mundo”.
A partir do porto, Passepartout pôde contemplar inúmeras embarcações, grandes e pequenas, de passageiros, de guerra ou de transporte de mercadorias. Elas eram procedentes dos mais variados locais da Europa, da América e da Ásia.
Considerável contingente de velhos chineses, todos trajando amarelo, passou pelo criado de Phileas Fogg. A avançada idade dos caminhantes chamou-lhe a atenção. Depois, quando resolveu se barbear, ouviu do barbeiro chinês de inglês fluente que aqueles idosos contavam pelo menos oitenta anos cada um e que usavam o amarelo por ser a “cor imperial”, sem dúvida um privilégio reservado aos de avançada idade.
(...)
Passepartout saiu da barbearia sem entender bem o significado das
informações sobre os velhos chineses que se vestiam de amarelo.
Encaminhou-se para o cais onde devia reservar as
cabines do Carnatic. A certa distância notou a presença de Fix.
O policial tinha a fisionomia decepcionada. E não era para menos! Estava
frustrado porque mais uma vez Fogg lhe escaparia. Amargurava saber que por um
caprichoso detalhe seu suspeito conseguiria embarcar para Yokohama no dia
seguinte.
Certamente o mandado de prisão estava a caminho, mas para que ele
chegasse às suas mãos seria preciso “estacionar” por um tempo em Hong Kong.
Fix passeava enquanto pensava nesses infortúnios. Passepartout entendeu
que aquele evidente desapontamento significava que “as coisas não se
encaminhavam como os cavalheiros do Reform Club esperavam”.
O rapaz se aproximou e perguntou se ele estava disposto a embarcar no
Carnatic. Obviamente indisposto, Fix respondeu entredentes que sim.
Passepartout soltou uma gargalhada e exclamou que era momento de garantir lugar
entre os passageiros.
Os dois seguiram para o
escritório onde os bilhetes eram adquiridos. Eles reservaram quatro cabines e
ouviram do funcionário que o Carnatic estava devidamente reparado e que partiria
às oito da noite. Isso significava que anteciparam a saída da embarcação.
Passepartout agradeceu a
informação, disse que ela agradaria ao patrão e anunciou que o avisaria a
respeito de mais essa “boa-nova”.
(...)
Estava para se
despedir de Fix quando o policial tomou a decisão de revelar-lhe tudo.
Agarrou-se à única possibilidade de reter Fogg em “território inglês” por mais
algum tempo.
Ao se retirarem do escritório, Fix convidou o companheiro para um drink
em uma bodega que tinha a frente para o cais. Pelo menos a certa distância
local era de aspecto agradável. Passepartout aceitou, pois não tinha pressa.
O estabelecimento possuía
uma grande sala. Mais ao fundo haviam instalado uma grande cama com várias
almofadas. A decoração local chamava a atenção de qualquer estrangeiro. Pode-se
dizer que se tratava de ambiente que em tudo tinha a ver com uma boa bebida e
conversa à toa.
Passepartout notou que sobre a cama havia uns vinte fregueses
dormindo. As pequenas mesas do salão estavam repletas de bebedores. Bebia-se
cervejas inglesas, gin e uísque. Além disso os frequentadores fumavam longos
cachimbos feitos de barro repletos de bolinhas de ópio. A essência era de rosas...
Eventualmente um usuário atingia alto grau de entorpecimento e
escorregava para debaixo das mesas. Funcionários da bodega carregavam os tipos
inconscientes para a cama. Algo degradante, sem dúvida!
(...)
Verne explica que aquele ambiente era um dos resultados
do lucrativo comércio de ópio encabeçado pela Inglaterra. O negócio movimentava
duzentos e sessenta milhões de francos e produzia viciados que se acabavam no
fumo. O que se via ali eram miseráveis magérrimos e idiotizados pela droga.
Inutilmente o governo
imperial chinês elaborou leis para evitar que essa degradação ocorresse. Houve
tempo em que o uso ópio era tolerado entre os mais ricos do país. Mas aconteceu
que aos poucos o vício tornou-se acessível aos mais pobres. Homens e mulheres
logo se viciavam após a primeira experiência. Inalavam e sentiam contrações no
estômago. Algo paradoxo, mas desejavam cada vez mais aquele tipo de sensação.
Alguns viciados chegavam a fumar oito ou mais
cachimbos por dia. Mas era certo que em cinco anos morriam por causa da
intoxicação.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/05/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_34.html
Leia: A
Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto