O criado nem notava que estava se embriagando com o conhaque que o outro lhe servia sem parar. Disse que então haviam armado uma armadilha para Phileas Fogg. Já alterado pela bebida, pôs-se a fazer um discurso a uma audiência imaginária formada por cavalheiros do Reform Club. Achavam que era correto colocar um homem honesto como Phileas Fogg numa armadilha?
Neste momento Fix percebeu que havia algo de confuso na interpretação do rapaz e perguntou-lhe a respeito. Afinal com quem ele pensava que estava conversando?
Passepartout não titubeou ao responder que Fix era um agente que representava os apostadores do Reform Club. Para ele estava claro que sua missão era “controlar e atrapalhar o roteiro de seu patrão”. Sem dúvida algo humilhante! Acrescentou essas palavras e emendou que não tinha dito nada a Fogg sobre o que havia descoberto.
Fix pediu que o francês confirmasse que, de fato, seu patrão de nada sabia. Passepartout esvaziou o copo e repetiu que nada contara ao patrão. Mais uma vez o policial sentiu que precisava refletir melhor sobre seus próximos passos. Entendeu que o moço havia se enganado ao seu respeito e que ele parecia ser sincero. Pelo visto não era cúmplice de Fogg.
(...)
Sem perder tempo, Fix olhou nos olhos de Passepartout e disse que não
era um agente nos moldes como ele imaginava e nada tinha a ver com o Reform
Club. Depois confessou que na verdade se tratava de um inspetor de polícia.
Logo após apresentou a sua identificação.
Passepartout ouvia o que o outro lhe dizia, mas em
nenhum momento deu-lhe crédito. A cada copo ingerido sua consciência tornava-se
mais turva. Fix mostrava-lhe a identificação e ao mesmo tempo dizia que aquela
história de aposta era apenas um pretexto de Fogg para escapar da polícia com a
dinheirama.
O tipo disse ainda que, inconscientemente, Passepartout tornava-se seu
cúmplice. Este não concordava e perguntava por que o patrão faria aquilo. Foi
então que Fix explicou o caso do roubo ao Bank of England no dia 28 de
setembro. Nada menos do que cinquenta e cinco mil libras haviam sido subtraídas
da instituição. A descrição do suspeito em tudo combinava com a de Phileas
Fogg.
Passepartout não admitia tantas ofensas ao honrado patrão. É por isso
que esmurrou a mesa ao mesmo tempo em que vociferou que Fogg era o homem mais
honesto do mundo.
Fix perguntou como é que ele podia saber se nem o conhecia direito.
Argumentou que Passepartout começou a trabalhar para o patrão no dia em que
surpreendentemente ele o envolveu naquela viagem maluca, sem nenhuma bagagem!
Levavam apenas uma bolsa com grande soma em dinheiro! Aquela história de aposta
simplesmente não colava. Não havia como sustentar que se tratasse de um homem
honesto. Passepartout tinha de admitir. Será que ele queria ser preso como
cúmplice do roubo milionário?
O francês já não conseguia encarar o policial. Passou a falar sem muita
clareza que seu patrão era um homem honesto. Era um homem valente e generoso
que se arriscara ao salvar a jovem Aouda! Aquelas acusações não faziam o menor
sentido! Dizia essas coisas como quem pretende afastar uma suspeita que
ameaçava sua consciência.
Por fim, Passepartout
perguntou a Fix o que ele queria de sua parte. O policial explicou que tivera
de seguir Fogg até ali porque ainda não recebera o mandado de prisão. Não podia
deixá-lo partir de Hong Kong, então queria que o ajudasse a retê-lo na cidade.
Se ele colaborasse teria parte da gratificação prometida pelo Bank of England.
Passepartout conseguiu
dizer que jamais colaboraria. Pretendeu levantar-se, mas caiu novamente na
cadeira. Estava completamente bêbado e sem condições de dar dois passos em
linha reta. Novamente sentado, esforçou-se ao dirigir-se mais uma vez ao Fix.
Declarou que mesmo que tudo o que havia sido dito contra Fogg fosse verdade, e
com isso ele não concordava de nenhum modo, jamais agiria contra ele. Pois era
seu criado fiel e via-o como “bom e generoso”. Em hipótese alguma o trairia.
Não havia dinheiro ou ouro que o fizesse mudar de opinião.
O policial quis saber
se, de fato, o rapaz se recusava a colaborar. Passepartout confirmou que se
recusava.
(...)
Então Fix sugeriu esquecerem o que tinham conversado e bebessem um pouco
mais. E para finalizar o seu plano de separar patrão e criado, puxou um dos
cachimbos com ópio e colocou-o próximo à mão do rapaz.
Passepartout deu algumas
baforadas... Foi o suficiente para tombar a cabeça sobre a mesa.
Fix pagou a conta e retirou-se da bodega.
Carregava consigo a certeza de que Fogg não seria avisado da partida antecipada
do Carnatic. Pelo menos conseguira separar os dois.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/05/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_10.html
Leia: A
Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto