terça-feira, 28 de setembro de 2021

“1984”, de George Orwell - frieza e personalidade altiva de O’Brien em sua palestra a respeito da “Fraternidade”, da falta de informações a respeito de suas movimentações e pessoal envolvido e da atuação de cada um; contatos rotativos, limitados e quase invisíveis; viver “sem resultados ou esperança” e seguir adiante sustentado pela “ideia indestrutível”; certamente não experimentariam da “vida verdadeira”, pois o que podiam fazer limitava-se a expandir o conhecimento às gerações futuras

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-advertencias.html antes de ler esta postagem:

A promessa de O’Brien em relação ao livro era a de que, após a leitura, Winston e Júlia passariam a ser membros da “Fraternidade”, mas não teriam como saber a respeito dos objetivos gerais do movimento e tampouco conheceriam “as tarefas imediatas do momento”.
Ele não podia adiantar muita coisa sobre o movimento rebelde e podemos dizer que suas informações eram bem vagas. Disse que não podia afirmar nada sobre a quantidade de agentes... Talvez fossem cem ou dez milhões, mas cada um deles não podia dizer que passassem de uns doze, pois teriam apenas “três ou quatro contatos que seriam renovados de tempos em tempos”. Essa rotatividade se devia ao fato de haver perseguição implacável e muitos terminarem capturados e eliminados pelo regime.
O’Brien salientou que, de início, o contato de ambos com a organização seria com ele, e que suas ordens chegariam a eles através de Martin. Por fim, deixou claro que quando fossem presos acabariam confessando, pois isso era inevitável. No entanto não teriam muito a dizer aos inquiridores e provavelmente trairiam um ou outro membro “sem importância” da organização... Nada diriam a seu respeito, até porque já o teriam matado ou estaria transformado em um tipo completamente diferente, com aparência totalmente transformada.
(...)
O’Brien transmitiu essas informações enquanto esteve caminhando de um lado para outro da sala. Apesar de seu porte avantajado, suas elegantes passadas não produziam qualquer ruído no macio tapete azul.
De certo modo, era com ironia que se referia aos “expedientes inevitáveis”, como assassinatos, suicídios, amputações e cirurgias plásticas radicais... Winston se impressionava com os mínimos gestos do tipo que transmitia confiança e força. A seriedade de suas palavras desprovidas de fanatismo o levava a crer que haviam acertado ao se abrirem com ele.
Era certo que falava dos “expedientes inevitáveis” ressaltando que deviam ser praticados sem qualquer vacilação e “sem piedade”, mas não deixava de lembrar que depois de transformarem a realidade nada disso mais ocorreria, pois a “a vida de novo valeria a pena ser vivida”.
A postura do homem e o seu modo de falar provocavam em Winston uma profunda admiração e “quase adoração”. No momento Goldstein era personalidade remota e sua referência só podia ser O’Brien, que lhe transmitia a confiança da invencibilidade... Seus fortes ombros e sua aparência civilizada pareciam confirmar isso. Sua frieza de cálculo certamente previa os perigos iminentes. Dessa forma, não havia como não crer que podiam lograr êxito no projeto que iniciavam.
(...)
Júlia também estava impressionada e sequer percebeu o cigarro apagar, pois dedicava toda a sua atenção às palavras de O’Brien.
Ele passou a falar a respeito da “Fraternidade” e da ideia que tipos como o casal faziam da mesma... Certamente a imaginavam como uma realidade clandestina repleta de conspiradores que se encontravam secretamente, que se dedicavam a transmitir mensagens que rabiscavam em paredes, e que se reconheciam “por meio de códigos ou gestos especiais”.
Explicou que nada daquilo existia, já que os que pertenciam à organização não tinham como reconhecerem-se uns aos outros. Isso era impossível, e até mesmo se Goldstein fosse capturado pelo regime não teria condições de fornecer qualquer lista de conspiradores ou informações que possibilitassem a investigações de nomes. Não existia uma lista desse tipo e desse modo não havia como relacionar a “Fraternidade” ao modelo de organização que as pessoas concebiam.
Na sequência, falou que o alicerce da “Fraternidade” era a sua “ideia indestrutível”. Seus asseclas sabiam que não podiam esperar nenhum amparo material, pois tinham convicção de que eram animados e moralmente sustentados unicamente pela “ideia indestrutível”. Sabiam que não podiam contar com camaradagem ou incentivos e que, ao serem capturados, não receberiam qualquer socorro. Eventualmente conseguiam fazer chegar às suas celas uma lâmina de barbear.
O casal devia compreender a mensagem... O’Brien a transmitiu dando a entender que, a partir de então, Winston e Júlia teriam de aprender “a viver sem resultados e sem esperança”. Basicamente atuariam por algum período, seriam presos, confessariam e logo seriam executados... E esses seriam os únicos resultados que poderiam vislumbrar.
Deviam compreender também que nenhuma “mudança perceptível” ocorreria durante a própria existência e que, tendo isso em mente, seria mais fácil admitir que na verdade já estavam mortos e que a “vida verdadeira” a que almejavam estava no futuro.
(...)
Quase que poeticamente, O’Brien disse que eles, e nisso se incluía, tomariam parte da “vida verdadeira” apenas “como punhados de pó e esquírolas de ossos”.
Poderiam perguntar-lhe a respeito do tempo que os separava da realidade idealizada, e a esse respeito tinha a dizer que não havia como saber. Talvez mil anos! Tudo o que sabia era que faziam parte de uma realidade que lhes permitia apenas “alargar a zona de sanidade mental”. E como não podiam agir coletivamente, deviam expandir o conhecimento “de indivíduo a indivíduo, geração após geração”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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