Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-advertencias.html antes
de ler esta postagem:
A promessa de O’Brien em relação ao livro era a
de que, após a leitura, Winston e Júlia passariam a ser membros da
“Fraternidade”, mas não teriam como saber a respeito dos objetivos gerais do
movimento e tampouco conheceriam “as tarefas imediatas do momento”.
Ele não podia
adiantar muita coisa sobre o movimento rebelde e podemos dizer que suas
informações eram bem vagas. Disse que não podia afirmar nada sobre a quantidade
de agentes... Talvez fossem cem ou dez milhões, mas cada um deles não podia
dizer que passassem de uns doze, pois teriam apenas “três ou quatro contatos
que seriam renovados de tempos em tempos”. Essa rotatividade se devia ao fato
de haver perseguição implacável e muitos terminarem capturados e eliminados
pelo regime.
O’Brien salientou que, de início, o contato de ambos com a organização
seria com ele, e que suas ordens chegariam a eles através de Martin. Por fim,
deixou claro que quando fossem presos acabariam confessando, pois isso era
inevitável. No entanto não teriam muito a dizer aos inquiridores e
provavelmente trairiam um ou outro membro “sem importância” da organização...
Nada diriam a seu respeito, até porque já o teriam matado ou estaria
transformado em um tipo completamente diferente, com aparência totalmente
transformada.
(...)
O’Brien transmitiu essas
informações enquanto esteve caminhando de um lado para outro da sala. Apesar de
seu porte avantajado, suas elegantes passadas não produziam qualquer ruído no
macio tapete azul.
De certo modo, era
com ironia que se referia aos “expedientes inevitáveis”, como assassinatos,
suicídios, amputações e cirurgias plásticas radicais... Winston se
impressionava com os mínimos gestos do tipo que transmitia confiança e força. A
seriedade de suas palavras desprovidas de fanatismo o levava a crer que haviam
acertado ao se abrirem com ele.
Era certo que falava dos
“expedientes inevitáveis” ressaltando que deviam ser praticados sem qualquer
vacilação e “sem piedade”, mas não deixava de lembrar que depois de
transformarem a realidade nada disso mais ocorreria, pois a “a vida de novo
valeria a pena ser vivida”.
A postura do homem e
o seu modo de falar provocavam em Winston uma profunda admiração e “quase
adoração”. No momento Goldstein era personalidade remota e sua referência só
podia ser O’Brien, que lhe transmitia a confiança da invencibilidade... Seus
fortes ombros e sua aparência civilizada pareciam confirmar isso. Sua frieza de
cálculo certamente previa os perigos iminentes. Dessa forma, não havia como não
crer que podiam lograr êxito no projeto que iniciavam.
(...)
Júlia também estava
impressionada e sequer percebeu o cigarro apagar, pois dedicava toda a sua
atenção às palavras de O’Brien.
Ele passou a falar a respeito da “Fraternidade” e da ideia que tipos
como o casal faziam da mesma... Certamente a imaginavam como uma realidade
clandestina repleta de conspiradores que se encontravam secretamente, que se
dedicavam a transmitir mensagens que rabiscavam em paredes, e que se
reconheciam “por meio de códigos ou gestos especiais”.
Explicou que nada daquilo existia, já que os que pertenciam à
organização não tinham como reconhecerem-se uns aos outros. Isso era
impossível, e até mesmo se Goldstein fosse capturado pelo regime não teria
condições de fornecer qualquer lista de conspiradores ou informações que
possibilitassem a investigações de nomes. Não existia uma lista desse tipo e
desse modo não havia como relacionar a “Fraternidade” ao modelo de organização que
as pessoas concebiam.
Na sequência, falou que o alicerce da
“Fraternidade” era a sua “ideia indestrutível”. Seus asseclas sabiam que não
podiam esperar nenhum amparo material, pois tinham convicção de que eram
animados e moralmente sustentados unicamente pela “ideia indestrutível”. Sabiam
que não podiam contar com camaradagem ou incentivos e que, ao serem capturados,
não receberiam qualquer socorro. Eventualmente conseguiam fazer chegar às suas
celas uma lâmina de barbear.
O casal devia
compreender a mensagem... O’Brien a transmitiu dando a entender que, a partir
de então, Winston e Júlia teriam de aprender “a viver sem resultados e sem
esperança”. Basicamente atuariam por algum período, seriam presos, confessariam
e logo seriam executados... E esses seriam os únicos resultados que poderiam
vislumbrar.
Deviam compreender também que nenhuma “mudança perceptível” ocorreria
durante a própria existência e que, tendo isso em mente, seria mais fácil
admitir que na verdade já estavam mortos e que a “vida verdadeira” a que almejavam
estava no futuro.
(...)
Quase que poeticamente,
O’Brien disse que eles, e nisso se incluía, tomariam parte da “vida verdadeira”
apenas “como punhados de pó e esquírolas de ossos”.
Poderiam
perguntar-lhe a respeito do tempo que os separava da realidade idealizada, e a
esse respeito tinha a dizer que não havia como saber. Talvez mil anos! Tudo o
que sabia era que faziam parte de uma realidade que lhes permitia apenas
“alargar a zona de sanidade mental”. E como não podiam agir coletivamente, deviam
expandir o conhecimento “de indivíduo a indivíduo, geração após geração”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto