Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-o-cansaco-de.html antes
de ler esta postagem:
Foi durante a agitação dos estudantes e outros
fanáticos no ataque às faixas e cartazes que faziam alusão aos inimigos
eurasianos que Winston percebeu a aproximação de um tipo... Este o tocou de
leve no ombro, pediu desculpa e entregou-lhe a pasta que ele “deixara cair”.
(...)
Eram quase onze horas da
noite... Foi tudo tão rápido que sequer conseguiu observar o rosto do homem
enquanto pegava a pasta distraidamente.
Apesar do adiantado da hora, Winston pensava sobre a necessidade de
seguir imediatamente para o Departamento de Registro... E isso por causa do
anúncio da guerra da Oceania contra a Lestásia (e não mais contra a Eurásia).
Desse modo, soube imediatamente que não teria tempo para dedicar-se à leitura
do livro por alguns dias.
As teletelas espalhadas
pelas ruas, praças e prédios convocaram os trabalhadores do Ministério da
Verdade a comparecerem sem demora aos seus postos... A ordem era
desnecessária, pois assim que se anunciou a guerra, todos eles entenderam que
precisariam alterar registros diversos e documentos fotográficos para ajustar o
passado e noticiar que “a Oceania sempre estivera em guerra contra a Lestásia”.
O trabalho de Winston e dos
demais camaradas do Ministério da Verdade seria dos mais intensos. É que já
fazia muitos anos que toda produção jornalística, literária, de material
político, registros sonoros, cinematográficos e fotográficos vinham noticiando
o enfrentamento contra a Eurásia... Por isso “tudo precisava ser retificado na
velocidade do raio”. Assim, em pouco tempo, não haveria “qualquer referência a
inimigos eurasianos ou à aliança com a Lestásia”.
Para dar conta das
retificações, o pessoal foi submetido a uma jornada de dezoito horas com
direito a “duas sonecas de três horas”. Providenciaram colchões, que foram colocados
nos corredores... E como o trabalho não podia parar, funcionários da cantina
levavam lanches e Café Vitória até as repartições para que não houvesse
interrupções para almoço ou janta.
Antes dos cochilos, Winston
cuidava das correções que tinha sobre a mesa até deixá-la completamente
limpa... Mas ao retornar encontrava a escrivaninha repleta de novos cilindros
carregados de papéis, e o volume era tal que chegava a encobrir o “falascreve”.
Depois de organizar os calhamaços iniciava as correções, que muitas vezes
consistiam em substituir nomes. Mas as reportagens mais detalhadas tinham de
ser cuidadosamente reescritas, e isso demandava “cautela e imaginação”. A
mudança de inimigo exigia que o retificador tivesse um bom conhecimento de Geografia,
pois os conflitos tinham de ser recolocados em outras áreas do mundo.
Depois de dois dias de
trabalho estafante, Winston sentia a vista embaçar e os olhos doerem. A todo
instante limpava as lentes dos óculos numa tentativa inglória de enxergar
melhor.
Por um lado, havia o cansaço, por outro o desafio de finalizar as
tarefas que pareciam intermináveis. Não tinha outro jeito, e o excesso de
trabalho o deixava perturbado... O ritmo alucinado o impedia de se importar com
as mentiras que pronunciava ao “falascreve”, principalmente porque a cada
retificação interessava produzir uma “falsificação perfeita”.
(...)
Foram cinco de trabalho intenso. Na manhã do sexto dia as ordens de
serviço diminuíram sensivelmente até voltarem à normalidade. O pessoal do
Departamento havia realizado uma tarefa hercúlea que jamais seria citada.
Cumprida a missão, seria impossível comprovar com documentos que a Oceania
estivera em guerra contra os eurasianos.
Ao meio-dia as teletelas do Ministério da
Verdade anunciaram que todos estavam liberados para uma folga e que só
retornariam ao trabalho na manhã do dia seguinte. Winston se preparou para sair
sem esquecer-se da pasta que manteve por todos aqueles dias “junto aos pés
enquanto trabalhava, e sob o corpo enquanto cochilava”. De modo algum se
apartou dela, pois ela guardava o livro enviado por O’Brien.
Ao chegar a casa,
barbeou-se e seguiu para o chuveiro, deixando que a água escorresse pelo corpo
por vários minutos até quase adormecer.
(...)
Subiu rapidamente os degraus da escada que dava para o quarto sobre a
loja de antiguidades. Ao entrar sentiu cansaço, mas não sono... Permitiu que a
claridade invadisse o cômodo ao abrir a janela, depois acendeu o fogareiro para
preparar café. Júlia não tardaria a chegar, mesmo assim teria algum tempo para
se debruçar sobre o livro proibido.
Acomodou-se na poltrona e
retirou a encadernação da pasta. A capa do livro era preta e não tinha qualquer
inscrição. As folhas estavam bem gastas e via-se que a impressão não trazia
linhas e tipos regulares. Além disso, algumas páginas se desprendiam da
brochura.
Na
abertura lia-se “Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico, por Emmanuel
Goldstein”. Winston passou para a página seguinte, que trazia o título do
primeiro Capítulo e seu início: “Capítulo I – Ignorância é Força”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-winston-le-trecho.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto