sexta-feira, 1 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - sobre o momento em que Winston recebeu a pasta com “ livro de Goldstein”; muitos dias de estafante trabalho no Ministério para retificar o passado com “falsificações perfeitas” e documentar a guerra contra a Lestásia; folga e retirada para o quarto sobre a loja de antiguidades; abrindo o livro pela primeira vez

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-o-cansaco-de.html antes de ler esta postagem:

Foi durante a agitação dos estudantes e outros fanáticos no ataque às faixas e cartazes que faziam alusão aos inimigos eurasianos que Winston percebeu a aproximação de um tipo... Este o tocou de leve no ombro, pediu desculpa e entregou-lhe a pasta que ele “deixara cair”.
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Eram quase onze horas da noite... Foi tudo tão rápido que sequer conseguiu observar o rosto do homem enquanto pegava a pasta distraidamente.
Apesar do adiantado da hora, Winston pensava sobre a necessidade de seguir imediatamente para o Departamento de Registro... E isso por causa do anúncio da guerra da Oceania contra a Lestásia (e não mais contra a Eurásia). Desse modo, soube imediatamente que não teria tempo para dedicar-se à leitura do livro por alguns dias.
As teletelas espalhadas pelas ruas, praças e prédios convocaram os trabalhadores do Ministério da Verdade a comparecerem sem demora aos seus postos... A ordem era desnecessária, pois assim que se anunciou a guerra, todos eles entenderam que precisariam alterar registros diversos e documentos fotográficos para ajustar o passado e noticiar que “a Oceania sempre estivera em guerra contra a Lestásia”.
O trabalho de Winston e dos demais camaradas do Ministério da Verdade seria dos mais intensos. É que já fazia muitos anos que toda produção jornalística, literária, de material político, registros sonoros, cinematográficos e fotográficos vinham noticiando o enfrentamento contra a Eurásia... Por isso “tudo precisava ser retificado na velocidade do raio”. Assim, em pouco tempo, não haveria “qualquer referência a inimigos eurasianos ou à aliança com a Lestásia”.
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Para dar conta das retificações, o pessoal foi submetido a uma jornada de dezoito horas com direito a “duas sonecas de três horas”. Providenciaram colchões, que foram colocados nos corredores... E como o trabalho não podia parar, funcionários da cantina levavam lanches e Café Vitória até as repartições para que não houvesse interrupções para almoço ou janta.
Antes dos cochilos, Winston cuidava das correções que tinha sobre a mesa até deixá-la completamente limpa... Mas ao retornar encontrava a escrivaninha repleta de novos cilindros carregados de papéis, e o volume era tal que chegava a encobrir o “falascreve”. Depois de organizar os calhamaços iniciava as correções, que muitas vezes consistiam em substituir nomes. Mas as reportagens mais detalhadas tinham de ser cuidadosamente reescritas, e isso demandava “cautela e imaginação”. A mudança de inimigo exigia que o retificador tivesse um bom conhecimento de Geografia, pois os conflitos tinham de ser recolocados em outras áreas do mundo.
Depois de dois dias de trabalho estafante, Winston sentia a vista embaçar e os olhos doerem. A todo instante limpava as lentes dos óculos numa tentativa inglória de enxergar melhor.
Por um lado, havia o cansaço, por outro o desafio de finalizar as tarefas que pareciam intermináveis. Não tinha outro jeito, e o excesso de trabalho o deixava perturbado... O ritmo alucinado o impedia de se importar com as mentiras que pronunciava ao “falascreve”, principalmente porque a cada retificação interessava produzir uma “falsificação perfeita”.
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Foram cinco de trabalho intenso. Na manhã do sexto dia as ordens de serviço diminuíram sensivelmente até voltarem à normalidade. O pessoal do Departamento havia realizado uma tarefa hercúlea que jamais seria citada. Cumprida a missão, seria impossível comprovar com documentos que a Oceania estivera em guerra contra os eurasianos.
Ao meio-dia as teletelas do Ministério da Verdade anunciaram que todos estavam liberados para uma folga e que só retornariam ao trabalho na manhã do dia seguinte. Winston se preparou para sair sem esquecer-se da pasta que manteve por todos aqueles dias “junto aos pés enquanto trabalhava, e sob o corpo enquanto cochilava”. De modo algum se apartou dela, pois ela guardava o livro enviado por O’Brien.
Ao chegar a casa, barbeou-se e seguiu para o chuveiro, deixando que a água escorresse pelo corpo por vários minutos até quase adormecer.
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Subiu rapidamente os degraus da escada que dava para o quarto sobre a loja de antiguidades. Ao entrar sentiu cansaço, mas não sono... Permitiu que a claridade invadisse o cômodo ao abrir a janela, depois acendeu o fogareiro para preparar café. Júlia não tardaria a chegar, mesmo assim teria algum tempo para se debruçar sobre o livro proibido.
Acomodou-se na poltrona e retirou a encadernação da pasta. A capa do livro era preta e não tinha qualquer inscrição. As folhas estavam bem gastas e via-se que a impressão não trazia linhas e tipos regulares. Além disso, algumas páginas se desprendiam da brochura.
Na abertura lia-se “Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico, por Emmanuel Goldstein”. Winston passou para a página seguinte, que trazia o título do primeiro Capítulo e seu início: “Capítulo I – Ignorância é Força”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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