Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-se-obrien-nada.html?zx=28f7bd4aff577ba antes
de ler esta postagem:
Depois de conferir a hora em seu relógio, O’Brien
esclareceu que até para tipos como ele, que pertenciam ao Partido Interno, não
era aconselhável manter a teletela desligada por muito tempo. Meia hora era
tempo demais... Depois advertiu que Winston não fizera bem em trazer a garota e
lembrou que teriam de se separar em sua retirada. Aconselhou Júlia a sair antes
e lembrou que podiam conversar por mais uns vinte minutos.
Voltando-se para
Winston, esclareceu que tinha de fazer-lhe algumas perguntas e indagou-lhe de
início a respeito de suas intenções, ou seja, a que tipo de ação estavam
dispostos... O rapaz respondeu que fariam qualquer coisa que estivesse ao alcance.
O’Brien voltou sua cadeira na direção dele e praticamente não levou em
consideração a presença de Júlia... É como se admitisse que Winston falasse por
ambos. Baixou a voz e, dando a entender que introduzia uma conversação rotineira
destinada aos acertos subversivos, fez uma série de questionamentos a respeito
de sua abnegação em relação à causa.
(...)
Winston
deu respostas afirmativas... Sim, estava disposto a dar a vida, a assassinar, a
cometer atos de sabotagem que certamente resultariam na morte de centenas de inocentes...
Sim, estava disposto a trair a pátria e a “fraudar, forjar, fazer chantagem,
corromper a mente infantil, distribuir entorpecentes, incentivar a prostituição,
disseminar doenças venéreas” e dessa forma desmoralizar o Partido e comprometer
sua estabilidade política... Sim, não mediria esforços para favorecer as
potências inimigas.
A confirmação de
fidelidade aos princípios da organização clandestina de luta contra o Grande
Irmão e o IngSoc era quase catequética e exigia o sim de Winston para questões medonhas...
Ele confirmou, por exemplo, que jogaria ácido sulfúrico no rosto de uma criança
se fosse escolhido para essa missão. Além disso, garantiu estar disposto a renunciar
à própria identidade e passar “o resto da vida como garçom ou estivador”, e por
fim confirmou que, se lhe fosse pedido, poderia se suicidar pela causa.
(...)
Depois
de ouvir várias afirmativas, O’Brien perguntou se o casal estava disposto a se
separar e nunca mais voltarem a se encontrar. Júlia se intrometeu no mesmo
instante e respondeu que não. Winston não esperava a reação da namorada e
emudeceu por um instante. E tanto se demorou que teve dificuldade de pronunciar
a própria resposta até que conseguiu repetir o “não” da jovem.
O’Brien disse que o
rapaz fizera bem em responder com franqueza, pois precisava “saber tudo”. Depois,
dirigindo-se à Júlia, tornou a voz mais expressiva para perguntar-lhe (e ao
mesmo tempo explicar-lhe) se ela podia entender que, ainda que Winston sobrevivesse.
poderia vir a tornar-se uma pessoa bem diferente da que ela conhecia... Deixou
claro que possivelmente ele teria de assumir uma nova identidade, e isso incluía
modificações no rosto, cabelos e alterações nos gestos e modos de se expressar.
Até a voz talvez tivesse de ser mudada.
E não era só Winston
que estaria sujeito às transformações... O’Brien esclareceu que, de acordo com
as necessidades do movimento, também ela poderia passar por cirurgias...
Emendou que a organização possuía médicos especialistas em tornar as pessoas
irreconhecíveis. Em certos casos amputavam algum membro do ativista para uma
nova e inimaginável identidade.
Neste momento, Winston pensou em Martin e sua fisionomia de asiático
amarelo... Olhou-o com o canto dos olhos e notou que o tipo não carregava
nenhuma cicatriz evidente... Júlia tornou-se pálida e suas sardas ainda mais se
destacaram, apesar disso não deixou de encarar o anfitrião nos olhos enquanto
pronunciou algumas frases tímidas que confirmavam sua aceitação.
(...)
Na sequência, O’Brien concluiu a conversa... Disse que estava “resolvido”,
pegou uma bonita carteira de cigarros que estava sobre a mesa e ofereceu aos
demais. Pegou um para si e pôs-se a caminhar de um lado para outro.
Winston não pôde deixar de conferir a excelente
qualidade dos cigarros, firmes e enrolados em delicado papel... O anfitrião
voltou a olhar para o relógio e solicitou ao Martin que retornasse ao seu posto
na cozinha, mas antes devia captar bem as fisionomias dos visitantes, pois era
certo que voltaria a vê-los. Ao dizer isso, emendou que ele mesmo talvez não os
revisse.
O criado dirigiu-se à
porta e deteve-se por alguns segundos na tarefa de encarar o casal para que
suas fisionomias permanecessem nítidas em sua memória... Evidentemente não
tinha o menor interesse por eles, desempenhando sua tarefa de modo automático.
Winston pensou mais a respeito do tipo... Calculou que seu rosto tivesse
passado por transformações como as que o anfitrião havia dito e que por isso não
era capaz de alterar a expressão. Martin saiu sem nada falar e sem cumprimentar
os que permaneceram na sala fechou a porta.
O’Brien
continuou a caminhar pensativamente... Manteve uma das mãos no bolso do macacão
preto enquanto a outra segurava o cigarro. Perguntou a Winston se ele havia compreendido
que estava se engajando numa luta em que teria de manter-se “no escuro”. Receberia
ordens e teria de obedecê-las sem pestanejar e sem ter ideia dos motivos.
De
resto, teria de aguardar... Ele mesmo lhe enviaria um livro com matéria
explicativa a respeito da “verdadeira sociedade” na qual viviam e sobre as
estratégias que desenvolveriam para destruí-la.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto