segunda-feira, 27 de setembro de 2021

“1984”, de George Orwell - advertências a respeito da ousadia de se fazer acompanhar de Júlia para a visita; um interrogatório sobre a disposição e fidelidade de Winston em relação às tarefas arriscadas e assombrosas que viesse a receber da organização rebelde; O’Brien fica sabendo que o casal não está disposto a se separar; de cirurgias e outras manobras para alterar a identidade; mais sobre Martin e a ideia de que ele podia ter sido submetido a operações plásticas; cigarros de boa qualidade e promessa de envio de livro com as estratégias da organização


Depois de conferir a hora em seu relógio, O’Brien esclareceu que até para tipos como ele, que pertenciam ao Partido Interno, não era aconselhável manter a teletela desligada por muito tempo. Meia hora era tempo demais... Depois advertiu que Winston não fizera bem em trazer a garota e lembrou que teriam de se separar em sua retirada. Aconselhou Júlia a sair antes e lembrou que podiam conversar por mais uns vinte minutos.
Voltando-se para Winston, esclareceu que tinha de fazer-lhe algumas perguntas e indagou-lhe de início a respeito de suas intenções, ou seja, a que tipo de ação estavam dispostos... O rapaz respondeu que fariam qualquer coisa que estivesse ao alcance.
O’Brien voltou sua cadeira na direção dele e praticamente não levou em consideração a presença de Júlia... É como se admitisse que Winston falasse por ambos. Baixou a voz e, dando a entender que introduzia uma conversação rotineira destinada aos acertos subversivos, fez uma série de questionamentos a respeito de sua abnegação em relação à causa.
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Winston deu respostas afirmativas... Sim, estava disposto a dar a vida, a assassinar, a cometer atos de sabotagem que certamente resultariam na morte de centenas de inocentes... Sim, estava disposto a trair a pátria e a “fraudar, forjar, fazer chantagem, corromper a mente infantil, distribuir entorpecentes, incentivar a prostituição, disseminar doenças venéreas” e dessa forma desmoralizar o Partido e comprometer sua estabilidade política... Sim, não mediria esforços para favorecer as potências inimigas.
A confirmação de fidelidade aos princípios da organização clandestina de luta contra o Grande Irmão e o IngSoc era quase catequética e exigia o sim de Winston para questões medonhas... Ele confirmou, por exemplo, que jogaria ácido sulfúrico no rosto de uma criança se fosse escolhido para essa missão. Além disso, garantiu estar disposto a renunciar à própria identidade e passar “o resto da vida como garçom ou estivador”, e por fim confirmou que, se lhe fosse pedido, poderia se suicidar pela causa.
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Depois de ouvir várias afirmativas, O’Brien perguntou se o casal estava disposto a se separar e nunca mais voltarem a se encontrar. Júlia se intrometeu no mesmo instante e respondeu que não. Winston não esperava a reação da namorada e emudeceu por um instante. E tanto se demorou que teve dificuldade de pronunciar a própria resposta até que conseguiu repetir o “não” da jovem.
O’Brien disse que o rapaz fizera bem em responder com franqueza, pois precisava “saber tudo”. Depois, dirigindo-se à Júlia, tornou a voz mais expressiva para perguntar-lhe (e ao mesmo tempo explicar-lhe) se ela podia entender que, ainda que Winston sobrevivesse. poderia vir a tornar-se uma pessoa bem diferente da que ela conhecia... Deixou claro que possivelmente ele teria de assumir uma nova identidade, e isso incluía modificações no rosto, cabelos e alterações nos gestos e modos de se expressar. Até a voz talvez tivesse de ser mudada.
E não era só Winston que estaria sujeito às transformações... O’Brien esclareceu que, de acordo com as necessidades do movimento, também ela poderia passar por cirurgias... Emendou que a organização possuía médicos especialistas em tornar as pessoas irreconhecíveis. Em certos casos amputavam algum membro do ativista para uma nova e inimaginável identidade.
Neste momento, Winston pensou em Martin e sua fisionomia de asiático amarelo... Olhou-o com o canto dos olhos e notou que o tipo não carregava nenhuma cicatriz evidente... Júlia tornou-se pálida e suas sardas ainda mais se destacaram, apesar disso não deixou de encarar o anfitrião nos olhos enquanto pronunciou algumas frases tímidas que confirmavam sua aceitação.
(...)
Na sequência, O’Brien concluiu a conversa... Disse que estava “resolvido”, pegou uma bonita carteira de cigarros que estava sobre a mesa e ofereceu aos demais. Pegou um para si e pôs-se a caminhar de um lado para outro.
Winston não pôde deixar de conferir a excelente qualidade dos cigarros, firmes e enrolados em delicado papel... O anfitrião voltou a olhar para o relógio e solicitou ao Martin que retornasse ao seu posto na cozinha, mas antes devia captar bem as fisionomias dos visitantes, pois era certo que voltaria a vê-los. Ao dizer isso, emendou que ele mesmo talvez não os revisse.
O criado dirigiu-se à porta e deteve-se por alguns segundos na tarefa de encarar o casal para que suas fisionomias permanecessem nítidas em sua memória... Evidentemente não tinha o menor interesse por eles, desempenhando sua tarefa de modo automático.
Winston pensou mais a respeito do tipo... Calculou que seu rosto tivesse passado por transformações como as que o anfitrião havia dito e que por isso não era capaz de alterar a expressão. Martin saiu sem nada falar e sem cumprimentar os que permaneceram na sala fechou a porta.
O’Brien continuou a caminhar pensativamente... Manteve uma das mãos no bolso do macacão preto enquanto a outra segurava o cigarro. Perguntou a Winston se ele havia compreendido que estava se engajando numa luta em que teria de manter-se “no escuro”. Receberia ordens e teria de obedecê-las sem pestanejar e sem ter ideia dos motivos.
De resto, teria de aguardar... Ele mesmo lhe enviaria um livro com matéria explicativa a respeito da “verdadeira sociedade” na qual viviam e sobre as estratégias que desenvolveriam para destruí-la.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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