Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-o-criado-do.html?zx=383d415a8d09f551 antes
de ler esta postagem:
Ao acreditarmos que O’Brien havia chamado
Winston ao seu apartamento apenas para entregar-lhe um exemplar da novíssima
edição do dicionário, temos de considerar que o fato de o rapaz ter chegado
acompanhado por Júlia deve ter chamado sua atenção...
Aquilo era incomum! Mas
podemos pensar que o tipo do Partido Interno já havia recolhido informações a
respeito da vida pessoal de seu convidado. Nesse sentido, somos tentados a
imaginar que ele já soubesse de várias “infrações” cometidas pelo casal.
(...)
Fiquemos com a possibilidade de O’Brien não alimentar qualquer
desconfiança do trabalhador do departamento de Registro que se destacava por suas
publicações no "Times”...
Depois
de ter desligado a teletela, ele não deixou de observar as reações de ambos...
Obviamente desconfiou, mas, partindo da premissa anteriormente colocada, não
sabia que tipo de segredo eles escondiam, como o interpretavam e o que
esperavam dele. Não foi por acaso que permaneceu alguns instantes em silêncio,
já que precisava de respostas para essas dúvidas.
Winston sentiu-se atormentado
pelo silêncio até que a fisionomia do anfitrião mudou... Este ajeitava os óculos
no nariz e esboçava um sorriso, depois, quase que em tom de brincadeira,
perguntou qual dos dois começaria a falar.
Winston
adiantou-se dizendo que começaria... Na sequência quis que O’Brien
confirmasse que os equipamentos estavam mesmo desligados. Ele confirmou e
emendou que “estavam a sós” no momento.
(...)
Começou a dizer o
motivo da visita, mas interrompeu a frase ao perceber que ainda não havia
sistematizado as ideias a respeito e sequer sabia que tipo de
conselho, auxílio ou orientação esperava de O’Brien...
Mesmo sabendo que
suas palavras eram vacilantes e ousadas ao mesmo tempo, explicou que ele e
Júlia acreditavam que havia “alguma conspiração, alguma organização secreta
trabalhando contra o Partido”, e que O’Brien estava envolvido... Depois
confessou que os dois pretendiam se juntar a ele e à oposição ao regime, pois
eram “inimigos do Partido” e não acreditavam “nos princípios do IngSoc”.
Este início de conversa já foi mais do que suficiente para que o membro
do Partido Interno concluísse que estava diante de dois “ideocriminosos”.
Aconteceu que o próprio Winston garantiu que era isso mesmo o que eram e que,
além disso, também eram adúlteros. Disse ainda que estavam ali porque contavam
com as orientações que O’Brien poderia fornecer-lhes para que pudessem
participar das ações contra o regime.
Por fim, o rapaz salientou que se estivessem equivocados aceitariam a
incriminação.
(...)
Winston se calou... Percebeu que a porta se
abriu e que o criado que parecia chinês entrou sem se anunciar. Ele trazia uma
garrafa de cristal e alguns copos. No mesmo instante, O’Brien disse que Martin,
este era o nome do tipo, era de confiança, “um dos nossos”. Depois solicitou em
voz alta que a bebida fosse servida e que a bandeja fosse colocada sobre a mesa
redonda.
O’Brien pediu aos
convidados que se sentassem e ao Martin que providenciasse uma cadeira para si,
pois falariam “de negócios” e por uns dez minutos ele podia “deixar de ser
criado”.
Winston notou que, apesar de manter a fisionomia de serviçal, o criado mostrou-se
à vontade ao ocupar o lugar à mesa. O rapaz pensou que talvez aquele tipinho passasse
a vida a “desempenhar um papel específico” na casa e que tinha certa
dificuldade de distanciar-se do “script” mesmo que por poucos minutos.
A
garrafa continha vinho, algo que as pessoas comuns não conheciam... Conforme o
líquido vermelho era despejado nos copos, Winston procurou resgatar da memória
alguma lembrança relacionada... A “bebida brilhava como um rubi” e “tinha um
cheiro agridoce”. Antes de beber, Júlia experimentou do aroma enquanto O’Brien
explicava que a bebida tinha o nome de vinho, que certamente os dois deviam ter
lido a respeito em livros.
O’Brien quis mostrar
que o vinho era um privilégio que podiam gozar no momento, já que nem todos do
Partido Interno conheciam a bebida. Na sequência, ergueu o copo e sugeriu um
brinde à saúde de Emmanuel Goldstein, o líder de todos os rebeldes...
(...)
Winston
estava mesmo ansioso para experimentar do vinho e deu pouca atenção às palavras
do anfitrião. Sua curiosidade se explicava pelo fato de ter lido a respeito... Assim
como o peso de papel ou as cantigas antigas ensinadas pelo Charrington, aquela raridade
remontava ao passado, a um tempo “desaparecido e romântico”. Imaginava que o
líquido vermelho deixasse gosto adocicado, algo como “geleia de amora” e que
inebriasse logo que fosse ingerido. Mas se decepcionou ao não sentir nada disso.
Tantos anos de bebedeiras de gin haviam tornado seu paladar insensível às
preciosidades.
Depois do primeiro
trago fez referência ao brinde mostrando-se surpreso pela referência a Goldstein.
Então ele existia mesmo? Sim, foi o que O’Brien garantiu ressaltando que não se
sabia de seu paradeiro... Winston perguntou se a conspiração e a organização
também eram reais. Não seriam invenções da “Polícia do Pensamento”?
O’Brien garantiu que
existiam e que a organização era conhecida como “Fraternidade”. Mas esclareceu
que não havia como saber maiores detalhes a respeito da organização liderada
por Goldstein. Explicou que ao convidado era importante saber que ela era real
e que era possível fazer parte de seus quadros. Acrescentou que por hora era
importante que conversassem, pois assim teria oportunidade de saber mais a
respeito.
O
membro do Partido Interno disse essas últimas palavras ao mesmo tempo em que
dirigia o olhar ao relógio que trazia no pulso. Evidentemente a visita não
poderia se prolongar por muito mais tempo.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto