Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-julia-e-winston.html?zx=9ae9af512846c78c antes
de ler esta postagem:
A visita não era por acaso...
Sabemos que O’Brien
havia convidado Winston, que receberia um exemplar da “Décima Edição do
Dicionário de Novilíngua” para conhecer as novidades léxicas e gramaticais. O
tipo do Partido Interno conversara com ele no corredor do Departamento de
Registro a respeito de uma publicação sua e na ocasião elogiou o texto
observando que o rapaz tinha potencial para melhorar sua produção.
A aproximação de O’Brien podia ser entendida como uma iniciativa de
incentivo ao trabalho do outro, mas Winston concluiu que o tipo devia pertencer
a um grupo de inconformados com a opressão do IngSoc, e que pretendia incluí-lo
numa suposta organização secreta de sedição. Ele levou em consideração a
referência ao Syme, um camarada que o conhecia de perto e que tinha sido
“evaporado” pelo regime. Acreditou que aquilo podia ser um sinal de
cumplicidade.
Apesar
pertencerem a realidades diferentes, Winston imaginava que O’Brien comungasse
de suas reflexões críticas em relação ao Grande Irmão, à repressão das
liberdades e às restrições de ordem material impostas à gente comum. Para ele,
a visão (o sonho) em que o tipo lhe comunicava a esperança de encontrarem-se
“onde não há trevas” começava a fazer sentido e o convite, em vez de se
relacionar ao aprimoramento do trabalho no Ministério, só podia ser entendido
como a convocação para a ação rebelde.
(...)
Enquanto se
encaminhava para o apartamento, Winston se apavorava com a ideia de que a
qualquer momento podia surgir um brutamontes fardado de alguma rua paralela para
exigir sua documentação.
Aos
poucos seus receios se dissiparam, pois a bem da verdade não era sem motivos
que chegava à porta de O’Brien. Ele e Júlia foram recebidos pelo criado com seu
paletó branco... O tipo tinha uma cara em formato de losango, cabelos escuros,
uma fisionomia inexpressiva e parecia ter origem chinesa.
O caminho até a sala
era impecavelmente limpo e contrastava com as paredes imundas dos corredores
por onde Winston passava cotidianamente. Encontraram o anfitrião concentrado
nos papéis sobre a mesa de trabalho e o rapaz logo notou o rosto largo e o
formato do nariz que lhe conferiam um aspecto “formidável e inteligente”.
O’Brien permaneceu
imóvel durante alguns segundos até que acionou o “falascreve” para pronunciar
uma comunicação que certamente dizia respeito a atividades das altas esferas
dos ministérios:
“Itens
um vírgula cinco vírgula sete aprovados completos ponto sugestão contida item
seis dupliplus ridícula quase crimidéia cancelar pontos incontinuar construtivo
anteobtendo pluscompleto orçamento máquinas extracustos ponto fim mensagem”.
(...)
Parecia que depois de ter ditado ao “falascreve” encerrava o trabalho
que havia trazido para casa... Levantou-se e caminhou até os recém-chegados.
Seus passos não produziam qualquer ruído graças à maciez do tapete... Trazia a
fisionomia fechada dando a entender que talvez não tivesse gostado de ter sido
interrompido.
Winston sentiu-se embaraçado, pois esperava uma
recepção mais afetuosa. A animosidade levou-o a imaginar que talvez tivesse
errado em sua interpretação sobre o convite... Até porque não tinha qualquer
prova de que O’Brien fosse mesmo um inimigo do sistema.
Mas o momento se
tornara delicado e o rapaz percebeu que não podia dizer simplesmente que estava
ali para pegar o prometido exemplar do dicionário, pois não teria como explicar
o motivo de estar acompanhado por Júlia.
(...)
Depois de passar pela teletela, O’Brien se deteve e como se tivesse refletido
a respeito do equipamento e da visita resolveu voltar alguns passos para
desligá-la. Imediatamente o aparelho deixou de emitir sons.
A
inesperada iniciativa surpreendeu os visitantes... Júlia deixou escapar um
forte suspiro; Winston exclamou, “desligou a teletela!”. O’Brien respondeu com
naturalidade que sim, pois ele tinha esse privilégio.
O homem colocou-se
diante do casal. Seu porte destacava-se pela estatura avantajada e sua
fisionomia havia se tornado “indecifrável”. Winston percebeu que O’Brien
esperava alguma manifestação de sua parte, mas ele não sabia o que dizer para
começar...
Podia
ser que o outro estivesse irritado com a interrupção de seu trabalho e que não
tivesse nada de “secreto” para conversar. Nenhum dos dois iniciava a conversa e
isso, somado ao silêncio da teletela, dava a sala um aspecto tumular.
Desesperado,
Winston manteve o olhar fixo nos olhos do outro. Decidiu esperar que o outro lhe
desse um sinal que indicasse o começo das tratativas.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-se-obrien-nada.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto