quarta-feira, 22 de setembro de 2021

“1984”, de George Orwell - Júlia e Winston tiram conclusões a respeito da eficácia dos agentes de repressão nos interrogatórios; a confissão não seria traição, mas sim refutar o amor que nutriam um pelo outro; o sentimento mais íntimo permanece inexpugnável; visita a O’Brien em seu apartamento; gigantesco edifício, excelentes serviços, acessórios e tudo o que havia de melhor

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-reflexoes-sobre.html antes de ler esta postagem:

Júlia foi direta em sua resposta às preocupações de Winston a respeito de serem submetidos a interrogatórios... Tinha certeza de que acabariam confessando, pois isso acontecia com todos os que caíam nas garras da justiça do Partido. Havia tortura e isso derrubava os mais convictos.
Ele redarguiu que não se referia à confissão. Disse que confessar não era exatamente traição. Mais importantes eram os sentimentos, e certamente os agentes do sistema os obrigariam a abandonar os sentimentos que nutriam um pelo outro. Sustentou que no caso de abandonar a fidelidade ao seu amor por ela se sentiria traidor.
Júlia o ouviu e respondeu que os agentes inquiridores e os torturadores não podiam interferir nos sentimentos, pois não tinham condições de invadir o interior dos investigados... Podiam obrigá-los a dizer qualquer coisa, mas não podiam forçar ninguém a acreditar.
Menos angustiado, Winston concordou... De fato, não podiam penetrar no âmago das pessoas. Talvez fosse o caso de manterem-se convictos de que desejavam “permanecer humanos”. É certo que isso não daria grandes resultados, mas ao menos podiam se considerar vitoriosos sobre os que torturavam.
(...)
Winston pensou sobre as teletelas que patrulhavam os indivíduos sem lhes dar trégua. Concluiu que, apesar das dificuldades, poderia prosseguir ludibriando a vigilância e isso podia significar que o regime não conseguia descobrir facilmente o que as pessoas pensavam intimamente. Também podia ser que o caso fosse bem diferente depois que conseguiam manter os suspeitos em suas garras.
O que acontecia com os que eram encaminhados ao Ministério do Amor? Não se podia saber ao certo, mas Winston podia calcular que eles passavam por atrocidades terríveis: “torturas, drogas, delicados instrumentos que registravam as reações nervosas do paciente, e o desgaste gradual pela falta de sono, a solidão, o interrogatório persistente”.
Com tanta “ciência” aplicada às sessões inquiridoras dificilmente os “fatos” escapavam. Se as perguntas fossem insuficientes para trazê-los à tona, a tortura fazia com que fossem confessados nos mínimos detalhes.
Winston pensou sobre os propósitos dele e de Júlia... No final das contas, se depois de capturados pretendiam manter a humanidade mais do que continuar vivos, o resultado só podia ser o mesmo. Todavia a repressão do regime e seus algozes não tinham o poder de transformar os sentimentos que os prisioneiros traziam em seu íntimo. Nem mesmo os próprios processados conseguiam! Então prevalecia o juízo de que por mais que fossem revirados e obtivessem mínimos detalhes das contravenções, o mais íntimo do coração permanecia “inexpugnável”.

(...)

Winston resolveu ir ao apartamento de O’Brien... Havia conversado com Júlia a respeito do diálogo que havia tido com o tipo do Partido Interno no mesmo corredor do departamento de Registro onde ela o havia passado o “recado” para o encontro na Praça Vitória. Ela resolveu acompanhá-lo.
Ao serem introduzidos numa imensa sala, Winston pensou que havia sido loucura fazer-se acompanhar da namorada. Mas depois de tudo o que tinham conversado ficou claro que se tornavam cada vez mais cúmplices, e ela foi incisiva sobre sua participação no encontro.
A sala para a qual foram encaminhados possuía uma iluminação bem suave. A teletela local emitia sonoridade diminuta que, se comparada com as que o casal conhecia, lembrava um murmúrio. Sobre o piso havia um tapete azul super macio às passadas, tudo muito elegante e esplêndido.
A mesa ocupada por O’Brien localizava-se no extremo da sala e era iluminada por uma luz esverdeada emitida por um abajur. Via-se que estava trabalhando em papéis organizados em pilhas à sua esquerda e à direita. A entrada das duas visitas conduzidas pelo criado não tirou sua atenção dos documentos.
(...)
Winston e Júlia só se encontraram quando chegaram à porta do apartamento, pois tomaram o cuidado de seguir por caminhos diferentes... Evidentemente encheram-se de coragem para concluir o trajeto, pois a visita a um membro do Partido Interno era algo extraordinário. Simplesmente não se conheciam os bairros ou as residências dos chefes.
Tudo ali era exótico para os dois, desde o gigantesco edifício, a riqueza dos detalhes decorativos, o cheiro do fumo especial e da comida excelente, os elevadores rápidos e silenciosos... Até a elegância da criadagem em suas jaquetas brancas e passos rápidos intimidava os recém-chegados.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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