Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-o-desaparecimento.html?zx=a479a8fcb7b08abb antes
de ler esta postagem:
Podia até ser coincidência... Os proles, que em
geral não se importavam com os assuntos relacionados à guerra, passaram a manifestar
reações patrióticas e assimilaram a “Canção de Ódio”, que fazia parte da
campanha do Partido para a “Semana do Ódio”. Por outro lado, nunca havia caído
tanta bomba-foguete como naqueles dias, vitimando uma quantidade de pessoas
jamais vista.
Uma das bombas atingiu um
cinema em Stepney... Ali a quantidade de mortes chegou a centenas, e a
população local manifestou-se indignada por ocasião das cerimônias fúnebres...
O evento teve longas horas de duração e mais se parecia com um grande comício
do IngSoc.
Houve o caso da bomba que caiu sobre um terreno que era usado como
parque para a recreação das crianças... O resultado foi que dezenas delas se
tornaram “picadinho” e a população reagiu com muita indignação e protestos
acalorados em que queimavam reproduções de Goldstein e rasgavam cartazes do
guerreiro eurasiano que também eram atirados em fogueiras.
Na confusão, estabelecimentos
comerciais foram saqueados e espalhou-se o boato de que as bombas-foguete que
caíam sobre a cidade estavam sendo teleguiadas por agentes estrangeiros. Isso
provocou uma onda de ódio sem precedentes e a turba avançou contra a casa de um
velho casal de ascendência supostamente estrangeira... Os revoltosos atearam
fogo e os idosos morreram asfixiados.
(...)
Quando Winston e Júlia
conseguiam se encontrar no quarto que haviam alugado, descansavam o mais que
podiam na cama junto à janela... Por causa da intensidade do calor daqueles
dias, os dois permaneciam nus sem se importarem com a precariedade da limpeza
do local... De fato, durante o mês de junho tiveram sete encontros naquele
local.
Se o rato não mais
aparecia, o colchão continuava repleto de percevejos. Mas eles pouco se
importavam, pois entendiam que o cômodo era o que de melhor podiam ter
conseguido. Costumavam levar pimenta moída que obtinham no “mercado
clandestino” e a polvilhavam sobre a cama para obter algum sossego... Mas era
só o tempo de se entregarem um ao outro e tirarem um cochilo para voltarem a
sentir a comichão provocada pelos insetos.
A autoestima de Winston
estava em alta... Diminuiu consideravelmente o consumo de gin e ganhou peso...
Sentiu que a variz não mais incomodava e que deixara de tossir durante as
madrugadas. O fato é que o relacionamento com a jovem fez muito bem para ele, e
só pelo fato de possuírem o refúgio já não se apoquentava por ficarem juntos
“por apenas algumas horas”. Deixou de se aborrecer com o cotidiano e até
conseguiu não se importar mais com as teletelas e suas programações ridículas.
Sim. Apesar do constante
perigo que corriam, o quarto era algo extraordinário para eles. Winston
sentia-se muito bem apenas por saber que o cômodo permanecia inviolável e a
espera deles unicamente. Entendia que local era como que “uma redoma do
passado, onde sobreviviam animais extintos”.
(...)
Na opinião de Winston, também o Senhor Charrington “era outro animal
extinto”. Normalmente permanecia por alguns minutos a conversar com ele antes
de encaminhar-se para o quarto... Assim ficou sabendo que quase nunca ele saía
à rua e, além disso, parecia nem ter clientes interessados na velharia de sua
loja. Sua existência era algo “fantasmal” e limitada à loja escura e a uma
pequena cozinha na qual mantinha um velho gramofone com sua trompa assombrosa.
O Senhor Charrington dava a entender que gostava de conversar enquanto
caminhava entre os objetos da loja. Em vez de comerciante, o seu tipo (“nariz
comprido, óculos espessos, e os ombros arcados metidos num paletó de veludo”)
lembrava o de um colecionador apaixonado por todos os objetos. Falava sobre
eles na intenção de compartilhar sua admiração, sem dar a entender que estavam
à venda.
Até os pequenos e aparentemente insignificantes
artigos mereciam a atenção do velho Charrington. Seu modo de ser encantava Winston,
que se impressionava com sua sapiência ao falar de “uma tampa de porcelana para
garrafa, um pedaço pintado de caixa de rapé, (ou de) um medalhão de pechisbeque
contendo um anel de cabelo de alguma criança morta” com o mesmo entusiasmo com
que falava a respeito dos maiores objetos.
A
conversa com o dono da loja de antiguidades sempre fluía agradavelmente. Às
vezes ele falava a respeito de uma ou outra canção das antigas apenas porque
imaginava que Winston gostaria de ouvi-las... Lembrou-se de uma sobre “vinte e
quatro gralhas, outra a respeito duma vaca de chifre partido, e ainda outra sobre
a morte do pobre pintarroxo”. Apesar de seu esforço de memória, conseguia
emendar apenas um ou outro verso.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto