quarta-feira, 8 de setembro de 2021

“1984”, de George Orwell – o desaparecimento de Syme; muitos afazeres na preparação da “Semana do Ódio”; movimentação intensa da população e aumento do bombardeio noturno sobre a cidade; Parsons em êxtase na coordenação dos trabalhos comunitários; a “Canção do Ódio” caiu no gosto musical da gente prole; grande e assustador painel com a figura de guerreiro eurasiano


Júlia e Winston deram prosseguimento à vida de trabalho no Ministério da Verdade... Não podiam falhar em suas atividades ou demonstrar esmorecimento, por isso aplicaram-se no trabalho voluntário e contribuíram para a organização da “Semana do Ódio”. Desse modo não despertaram qualquer desconfiança e, apesar das dificuldades, encontraram-se no quarto sobre a loja de antiguidades com frequência maior do que podiam esperar.
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Syme, o tipo que trabalhava na nova edição do “Dicionário de Novilíngua” desapareceu... Winston havia previsto que isso poderia mesmo ocorrer. Certo dia o homem faltou ao trabalho e alguns boatos sobre sua ausência foram ouvidos aqui e ali. Ele não apareceu também no dia seguinte, porém nada mais se falou a seu respeito...
Pelo terceiro dia consecutivo, Syme deixou de comparecer ao trabalho. Então Winston resolveu conferir o mural informativo do vestiário e percebeu que uma nota do “Comitê de Xadrez”, do qual o camarada fazia parte, continuava no mesmo espaço de sempre, porém uma leitura atenta possibilitou notar que seu nome já não constava. Obviamente isso significava que ele “deixara de existir”, ou melhor, “nunca existira”.
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Não fosse pelo ar condicionado, os trabalhadores do Departamento de Registro teriam problemas mais sérios. Ali não havia janelas e a atmosfera era das mais sufocantes.
Para piorar, os dias eram de um calor intenso... Apesar disso, os transeuntes abarrotavam as calçadas e as estações de metrô, onde predominavam as aglomerações e o mau cheiro.
Por causa dos preparativos da “Semana do Ódio”, o trabalho mais que dobrara nos três Ministérios. Dos eventos faziam parte “passeatas, comícios, paradas militares, conferências, exposições de bonecos de cera, sessões cinematográficas, programas de teletela”. Tudo isso demandava a aplicação do pessoal. Além disso, “era preciso montar palanques, fazer efígies, inventar lemas, escrever canções, circular boatos, falsificar fotos”.
No Departamento de Ficção, onde Júlia trabalhava, interromperam o trabalho com as novelas para elaborar material panfletário com conteúdo repleto de “atrocidades”. No caso de Winston, além das tarefas habituais que cumpria, os preparativos para a festividade exigiam uma análise mais apurada de edições antigas do “Times”, sobretudo de certas temáticas que precisavam ser “embelezadas e otimizadas” para que fossem citadas nos discursos das autoridades.
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As noites eram de movimentação maior do que de costume e pelas ruas se espalhavam jovens proles desocupados. A agitação noturna da cidade tornava-se ainda maior por causa das bombas-foguete que provocavam estrondo e destruição. Os bombardeios haviam aumentado significativamente e sobre eles faziam-se especulações sombrias.
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Com a chegada da “Semana do Ódio”, o Partido fez circular uma trilha sonora comemorativa da qual se destacava a “Canção do Ódio” que, marcada por “ritmo selvagem” e veiculada a exaustão pelas teletelas, caíra no gosto da gente do proletariado. Para Winston a cacofonia nada tinha de música e lembrava o latido de cães acompanhados pelo rufar de tambores.
Arruaceiros entoavam a canção durante a noite pelas ruas sem se esquecerem de “Foi apenas uma fantasia desesperada”, que era a cantiga mais popular. Ao ouvi-la, Winston se lembrava da vizinha da loja de antiguidades ao estender fraudas no varal. Também chegava aos seus ouvidos a cantoria selvagem dos filhos de Parsons “a qualquer hora do dia ou da noite”.
Nos diversos condomínios e bairros havia muito trabalho durante as noites por causa da “Semana do Ódio”. Na Mansão Vitória não era diferente, e Parsons prometia um evento arrasador, garantindo que o prédio ostentaria cerca de quatrocentos metros de fita bordada. Winston se envolvia em diferentes tarefas, já que havia grupos que cuidavam de enfeitar a rua, costuravam bandeiras, pintavam faixas e cartazes, esticavam fios pelos telhados...
Parsons sentia-se extasiado nas ocasiões festivas... Sua alegria era imensa e as muitas atividades em meio ao intenso calor serviam de pretexto para vestir-se como incansável adolescente:

                   “Andava por toda parte, empurrando, puxando, serrando, martelando, improvisando, alegrando todo mundo, incitando os camaradas com exortações e soltando, de cada dobra do corpo, uma nuvem inesgotável de cheiro acre de suor”.

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Uma das novidades daqueles dias foi um novo painel que não trazia qualquer legenda, além da figura imensa de um guerreiro eurasiano com aparência mongoloide aterrorizante. A imagem parecia destacar-se da gravura e avançar com enormes botas e metralhadora para cima dos que a olhavam. A peça que media quatro metros podia ser vista em vários pontos e em maior quantidade do que os cartazes do Grande Irmão.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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