Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-mais-respeito-da.html antes
de ler esta postagem:
Vimos que Winston foi abordado por O’Brien no
mesmo corredor em que havia recebido o “recado” de Júlia pela primeira vez... O
rapaz quase não conseguiu segurar a emoção e o medo ao reconhecê-lo, e entender
que era a ele mesmo a quem o tipo do Partido Interno se dirigia.
Como vimos, O’Brien
queria falar a respeito de um artigo de Winston publicado no “Times”. Ele tinha
elogios para o interesse do autor em relação à “novilíngua”. Acanhado, Winston
respondeu que se tratava de um amador e que jamais exercera qualquer
interferência na construção do idioma.
O’Brien insistiu que a produção textual era das mais elegantes e, além
disso, sabia que não era o único que pensava daquele modo. Esclareceu que há
pouco tempo conversara com um “perito”, um tipo de quem sequer lembrava o nome,
mas certamente uma pessoa próxima ao Winston... Este logo pensou que “perito e
próximo a ele” só podia ser o Syme.
No
mesmo instante seu coração voltou a bater aceleradamente, e tudo porque sabia
que “Syme não estava apenas morto, mas fora abolido, era uma ‘impessoa’”. Sabia
que era até arriscado falar a respeito dele ou referir-se ainda que
indiretamente a ele. Winston entendeu que a citação de O’Brien só podia ser uma
espécie de sinal, um “código”, e o fato de ter feito referência a um caso de
“crimideia” os envolvia em certa cumplicidade.
(...)
Continuaram a
caminhar pelo corredor até que O’Brien parou... Ajeitou os óculos e retomou o
que dizia sobre o artigo de Winston. Observou que encontrara duas palavras que
já haviam caído em desuso. Então quis saber se o rapaz já tinha visto a “Décima
Edição do Dicionário de Novilíngua”. Como devemos saber, Syme havia dito ao
Winston que estava trabalhando na décima primeira e definitiva edição do
dicionário (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-finalizando.html).
Winston
respondeu que não, pois até onde sabia ainda não tinha sido publicado...
Acrescentou que no Departamento de Registro ainda usavam a nona edição. O’Brien
observou que a décima edição seria lançada em alguns meses, mas havia algumas
amostras e ele mesmo recebera uma. Depois perguntou se o rapaz gostaria de
examiná-la.
Winston respondeu que
estava muito interessado em conhecer a encadernação ainda inédita. Em seu
íntimo, estava entendendo que a conversa tinha o objetivo indizível e se
relacionava à sua visão sobre encontrarem-se em local “onde não haveria treva”.
Obviamente não falou nada a respeito enquanto ouvia o tipo do Partido Interno
dizer que a décima edição trazia “novidades engenhosas”, além de considerável
redução de verbos. Por isso achava que ele gostaria de conhecer um pouco da
novíssima obra.
Na sequência, O’Brien
quis saber se Winston achava viável receber a amostra através de um mensageiro.
Depois observou que ele era do tipo que se esquecia dos combinados, então
sugeriu que seria melhor que Winston o visitasse para buscá-la em seu apartamento.
Acrescentou que podia ir no horário que quisesse, e foi logo retirando um bloco
de anotações e uma caneta de ouro dos bolsos para escrever seu endereço no
papel que lhe entregaria.
(...)
Tudo isso se passou bem próximo a uma teletela, e Winston pensou sobre
isso enquanto O’Brien anotava o endereço e o destacava do bloco para entregar-lhe.
Na sequência o tipo esclareceu que era possível encontrá-lo em casa à noite e
que, se não estivesse, sua empregada lhe entregaria o dicionário. Depois se
afastou. Winston pegou o papel com a tranquilidade de quem sabia que não tinha
a menor necessidade de camuflá-lo.
Apesar de se sentir seguro, fez questão de decorar as informações... Retornou
ao trabalho e mais tarde eliminou as anotações de O’Brien pelo “buraco da
memória” junto com outros fragmentos.
A conversa havia sido rápida, mas para Winston
ela fazia parte da intenção subjetiva daquele importante membro do Partido
Interno e, que por intuição, tinha convicção de que cedo ou tarde ocorreria...
O brevíssimo encontro só se explicava na medida em que tinha servido para O’Brien
passar-lhe o seu endereço. Essa conclusão mais se fortalecia porque sabia-se que
era praticamente impossível descobrir o endereço de alguém, até porque não
existiam cadastros ou guias de endereços abertos para consultas particulares.
Em outras palavras,
Winston havia entendido a mensagem nesses termos: "Se queres me ver, podes
me encontrar aqui". A partir daí, imaginou que talvez o outro lhe passasse
alguma mensagem no exemplar do dicionário. E isso só podia significar que a tão
sonhada conspiração contra o regime era de fato uma realidade e o havia alcançado.
Não tinha a menor dúvida de que iria ao encontro de O’Brien... Talvez se
demorasse um pouco, pois sabia que não devia ter pressa e que tudo aquilo fazia
parte de um processo mais antigo. Em suas reflexões ordenava os acontecimentos
que o levara à condição bem mais comprometedora: primeiro havia pensado
secretamente, depois iniciara o diário, e no momento sentia-se avançando para o
estágio da ação. Certamente o fim de tudo aquilo teria palco no Ministério do
Amor.
O
fim de tudo já se concentrava no princípio de suas inquietações, mas chegara a
um ponto sem retorno... Não tinha como não se apavorar com a possibilidade da
morte, pois já se sentia “menos vivo”. Lembrou-se de que quando falou com O’Brien
sentiu uma friagem percorrer o próprio corpo. Era como se pisasse “na terra
úmida, e não era consolo algum saber que o túmulo lá estava, à sua espera”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-primeira-parte-de.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto