Depois de conversar com Iran, Deckard também se angustiou... Afinal, o que ela tinha a lhe oferecer além de suas lamentações? Qualquer androide “no fio da navalha” era mais entusiasmado do que ela... Pensou mesmo que deveriam ter se separado quando discutiram sobre essa possibilidade no passado...
A lembrança de Rachael foi quase que natural... Deckard pensou a respeito de sua manifestada disposição em ajudá-lo... De fato, ela não havia mentido para ele sobre as habilidades e manhas dos Nexus-6... Levando-se em consideração que ela nada exigia em troca, sua contribuição não seria desprezível.
(...)
As anotações de Dave Holden
indicavam que àquela hora poderia encontrar Luba Luft na “Casa de Ópera
Memorial da Guerra”... Deckard interrompeu suas reflexões e acelerou fundo para
cruzar o espaço em direção à segunda de sua lista...
A senhorita Luft era bonita... Deckard pensou sobre
isso e mais uma vez se lembrou de Rachael... As androides exerciam atração
sobre os humanos... Admitia isso sem deixar de levar em consideração que se
tratava de algo muito estranho... Aqueles tipos eram máquinas, mas também agiam
emocionalmente!
Por incrível que pareça, Deckard começou a imaginar-se envolvido numa
espécie de romance com um “humanoide fêmea”... Definitivamente não considerava
Rachael Rosen (“compleição de criança, plana e maçante”) das mais atraentes... Magra
demais e sem busto... De acordo com a ficha de Luba Luft sua feição era a de
uma jovem de 28 anos, então ela estaria “em vantagem”...
(...)
Interrompeu os pensamentos libidinosos sobre as andys
e passou a imaginar que Holden também teria dificuldades ao tentar capturar
Luba Luft...
Deckard lembrou-se que era um apreciador de ópera, e essa “bagagem
cultural” podia facilitar a sua aproximação... Pensou que, também neste
quesito, levava vantagem em relação ao experiente Dave.
De repente uma nova confiança o dominou... Polokov era um tipo valentão,
mas os demais andys não sabiam que estavam sendo perseguidos e é por isso que
ofereceriam menos resistência. Sendo assim não recorreria à ajuda de Rachael...
Agiria sozinho novamente...
(...)
Ao chegar à casa de ópera, Rick sentia-se animado...
Seguiu pelo terraço
cantarolando trechos de árias italianas...
Viu que estavam ensaiando o
final do primeiro ato de “A Flauta Mágica”, de Mozart... Acomodou-se para ouvir
a canção do Papageno que falava dos sinos à bela Pamina...
Ninguém por ali dava conta
da presença de Deckard, que refletia sobre a luta contra os inimigos da vida
real... Era uma pena que os sinos cantados por Papageno (quando tocados fariam
os inimigos desaparecerem instantaneamente) não existissem verdadeiramente...
Quanto tempo de vida
ainda lhe restava? Lograria sucesso contra todos os andys restantes? Pobre
Mozart... O genial compositor morreu jovem, pouco depois de compor “A Flauta
Mágica”, e foi enterrado em vala para indigentes... Também aquele magnífico
ensaio não duraria para sempre... Também músicos e cantores morreriam... Mozart
seria esquecido... A Grande Poeira tomaria conta de tudo...
Mas tudo isso dizia respeito a situações futuras... Ao menos por
enquanto a ordem das coisas era essa que ele vivia e conhecia bem... Do mesmo
modo, representava perigo para outros... Os Nexus-6 teriam de escapar da caçada
que ele empreendia, pois só assim continuariam a ter algum futuro.
No palco Pamina e Papageno
prosseguiam o diálogo cantado... Ele perguntava o que deviam dizer; ela
respondia que diriam a verdade...
Deckard apreciava o que
ouvia... E não é que conseguiu identificar Luba Luft? Ela estava bem à sua
frente. Era ela quem interpretava a Pamina!
Quanta ironia... Sua personagem afirmava que
diria a verdade... Em sua existência de humanoide fugitiva, porém, teria de
proceder de modo contrário para prosseguir viva.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/10/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_26.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto