quinta-feira, 16 de outubro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – Isidore explica a “bagulhificação” à sua jovem vizinha; a moça não conhece Buster Gente Fina e não traz a sua “caixa de fusão”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/10/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_76.html antes de ler esta postagem:

O fato de a moça ignorar quem seria Buster Gente Fina deixou Isidore tão intrigado que ele até perguntou de onde ela vinha... A moça respondeu que aquilo não devia ser do interesse dele. Foi com irritação que deu essa resposta.
(...)
Mas ela viu algo na figura de Isidore que a deixou mais calma.
Assumindo nova postura, a garota disse que ficaria feliz em ter companhia, mas não naquele momento... E justificou que deveria colocar suas coisas em ordem... Então ele poderia voltar mais tarde.
J.R. sentia-se confuso... Ele queria entender o motivo de estar sendo dispensado pela jovem vizinha... Teria se tornado tão esquisito por ter vivido tanto tempo sozinho? Aquilo era próprio dos “cabeças de galinha”... Disse que poderia ajudá-la a arrumar as malas... E também com a mobília...
Mas a porta praticamente fechou-se em cima de seu nariz... Ela respondeu que não possuía móveis e que as coisas já estavam no apartamento... Isidore falou que entendia bem a situação... Ele não se referia àqueles móveis que estavam apodrecidos pelo tempo... Ele se propôs a percorrer os demais apartamentos, coletar objetos que estivessem em melhor estado e levá-los ao ambiente que ela havia escolhido...
A garota deixou claro que podia resolver aquilo sozinha.
Isidore sentenciou que a tarefa lhe seria muito ingrata... Anteriormente ele mesmo havia tentado percorrer os demais recintos e notou que era tudo muito deprimente...
(...)
Isidore quis dissuadir a moça de sua ideia de visitar sozinha outros apartamentos... Principalmente porque o prédio inteiro estava repleto de fotografias dos familiares dos antigos moradores e seus objetos pessoais... E não era só isso... Os objetos amontoados e deixados para trás pelos que emigraram ou morreram estavam “bagulhificando” o edifício... A cada dia as “coisas inservíveis” se avolumavam... Ao seu modo, explicou “a Primeira Lei do Bagulho”, segundo a qual “bagulho expulsa o não bagulho” (algo “inspirado na lei do financista inglês Thomas Greshan”: “o dinheiro ruim expulsa o bom dinheiro da circulação”).
A mocinha entendeu o que Isidore queria dizer... Já que não havia pessoas vivendo no imenso prédio, o bagulho tomava conta dos ambientes... Ele se animou e quis se oferecer para diminuir o bagulho acumulado no apartamento que ela havia escolhido para morar, mas ressaltou que a tarefa era inglória, pois apenas temporariamente é que se podia vencer a “bagulhificação”, e em apenas um determinado local (como era o caso do apartamento onde vivia)...
(...)
Ela saiu para o corredor e ficou bem à sua frente. Isidore concluiu suas ideias dizendo que o fim de todo o universo era a “bagulhificação”... Apenas a “ascensão de Wilbur Mercer” escaparia desse caos terrível.
A garota não via nenhuma relação entre as duas coisas, então Isidore respondeu que aquilo era a base do mercerismo... Depois perguntou se ela não participava da fusão e se não possuía a “caixa de empatia”...
Nitidamente a vizinha escolheu as palavras para dizer que não havia trazido a sua “caixa de empatia” porque pensou que encontraria uma no novo endereço... Isidore exclamou que a caixa era o maior bem que alguém poderia possuir naqueles tempos, pois graças a ela havia alguma interação com outros seres humanos... Aliás, ele nem precisava falar sobre aquilo, pois qualquer um sabia desses princípios.
Empolgado, J.R. finalizaria dizendo que até “gente como ele" tinha a permissão de Mercer para participar da fusão... Interrompeu a própria frase quando percebeu a reação de aversão da moça... Depois emendou que quase fora aprovado no teste de QI, e que nem era “tão especial assim”... Ela podia perceber que seu déficit intelectual era apenas moderado... Além do mais, Mercer não se importava com aquilo.
(...)
A vizinha disse que ele próprio deveria considerar aquela possibilidade (até os “especiais” terem acesso à fusão com Mercer) “uma grande objeção ao mercerismo”...
É claro que a moça não tinha nada a dizer, mas de certa forma aquilo serviu para justificar o seu distanciamento em relação ao mercerismo que tanto empolgava Isidore.
O pobre rapaz sentiu-se afetado por suas palavras e disse que retornaria ao seu apartamento...
Ainda com o cubo de margarina nas mãos, virou-se para retornar ao seu ambiente...
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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