O fato de a moça ignorar quem seria Buster Gente Fina deixou Isidore tão intrigado que ele até perguntou de onde ela vinha... A moça respondeu que aquilo não devia ser do interesse dele. Foi com irritação que deu essa resposta.
(...)
Mas ela viu algo na figura de Isidore que a deixou mais calma.
Assumindo nova postura, a
garota disse que ficaria feliz em ter companhia, mas não naquele momento... E
justificou que deveria colocar suas coisas em ordem... Então ele poderia voltar
mais tarde.
J.R. sentia-se confuso... Ele queria entender o motivo
de estar sendo dispensado pela jovem vizinha... Teria se tornado tão esquisito
por ter vivido tanto tempo sozinho? Aquilo era próprio dos “cabeças de galinha”...
Disse que poderia ajudá-la a arrumar as malas... E também com a mobília...
Mas a porta praticamente fechou-se em cima de seu nariz... Ela respondeu
que não possuía móveis e que as coisas já estavam no apartamento... Isidore falou
que entendia bem a situação... Ele não se referia àqueles móveis que estavam
apodrecidos pelo tempo... Ele se propôs a percorrer os demais apartamentos,
coletar objetos que estivessem em melhor estado e levá-los ao ambiente que ela
havia escolhido...
A garota deixou claro que podia resolver aquilo
sozinha.
Isidore sentenciou que a tarefa lhe seria muito ingrata... Anteriormente
ele mesmo havia tentado percorrer os demais recintos e notou que era tudo muito
deprimente...
(...)
Isidore quis dissuadir a moça de sua ideia de visitar sozinha outros
apartamentos... Principalmente porque o prédio inteiro estava repleto de
fotografias dos familiares dos antigos moradores e seus objetos pessoais... E
não era só isso... Os objetos amontoados e deixados para trás pelos que
emigraram ou morreram estavam “bagulhificando” o edifício... A cada dia as “coisas
inservíveis” se avolumavam... Ao seu modo, explicou “a Primeira Lei do Bagulho”,
segundo a qual “bagulho expulsa o não bagulho” (algo “inspirado na lei do
financista inglês Thomas Greshan”: “o dinheiro ruim expulsa o bom dinheiro da
circulação”).
A mocinha entendeu o que Isidore queria dizer... Já que não havia
pessoas vivendo no imenso prédio, o bagulho tomava conta dos ambientes... Ele
se animou e quis se oferecer para diminuir o bagulho acumulado no apartamento
que ela havia escolhido para morar, mas ressaltou que a tarefa era inglória,
pois apenas temporariamente é que se podia vencer a “bagulhificação”, e em apenas
um determinado local (como era o caso do apartamento onde vivia)...
(...)
Ela saiu para o corredor e ficou bem à sua frente. Isidore concluiu suas
ideias dizendo que o fim de todo o universo era a “bagulhificação”... Apenas a “ascensão
de Wilbur Mercer” escaparia desse caos terrível.
A garota não via nenhuma
relação entre as duas coisas, então Isidore respondeu que aquilo era a base do
mercerismo... Depois perguntou se ela não participava da fusão e se não possuía
a “caixa de empatia”...
Nitidamente a vizinha
escolheu as palavras para dizer que não havia trazido a sua “caixa de empatia”
porque pensou que encontraria uma no novo endereço... Isidore exclamou que a
caixa era o maior bem que alguém poderia possuir naqueles tempos, pois graças a
ela havia alguma interação com outros seres humanos... Aliás, ele nem precisava
falar sobre aquilo, pois qualquer um sabia desses princípios.
Empolgado, J.R. finalizaria dizendo que até “gente como ele" tinha a
permissão de Mercer para participar da fusão... Interrompeu a própria frase
quando percebeu a reação de aversão da moça... Depois emendou que quase fora
aprovado no teste de QI, e que nem era “tão especial assim”... Ela podia
perceber que seu déficit intelectual era apenas moderado... Além do mais,
Mercer não se importava com aquilo.
(...)
A vizinha disse que ele
próprio deveria considerar aquela possibilidade (até os “especiais” terem
acesso à fusão com Mercer) “uma grande objeção ao mercerismo”...
É claro que a moça não tinha nada a dizer, mas de
certa forma aquilo serviu para justificar o seu distanciamento em relação ao
mercerismo que tanto empolgava Isidore.
O pobre rapaz sentiu-se
afetado por suas palavras e disse que retornaria ao seu apartamento...
Ainda com o cubo de margarina nas mãos, virou-se
para retornar ao seu ambiente...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/10/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_99.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto