A atitude do Gente Fina que mais irritava J.R. era o modo debochado como ele se referia ao processo de fusão com Mercer... Ele simplesmente “ridicularizava as caixas de empatia”.
(...)
No momento mesmo em que dirigia o caminhão com o gato avariado para o hospital
Van Ness, Isidore ouvia uma conversa do Gente Fina com a sua convidada Amanda
Werner repleta de desrespeito... Ele dizia à modelo (e também atriz) a respeito
das pedradas que não seriam capazes de atingi-lo... E se estivesse disposto a
“subir a colina” reivindicaria duas garrafas de Budweiser... A cada gracejo
como este, sua plateia ria-se a valer e aplaudia.
J.R. protestava
silenciosamente... Apenas podia imaginar o público eufórico e ansioso pela
“revelação bombástica” que o ídolo prometia pronunciar em dez horas.
Devia haver uma
incoerência... Não era possível que até a ONU aprovasse as práticas do
mercerismo e, ao mesmo tempo, ninguém protestasse contra os ataques do
Buster...
Sim. Para a ONU o mercerismo colaborava para a redução
da criminalidade, além de tornar as pessoas mais preocupadas umas com as outras...
No limitado entendimento de J.R. apenas o ciúme do apresentador poderia
explicar os seus ataques... Talvez ele e Mercer competissem... Pelo quê? Obter
uma resposta para isso também já seria demais... Mesmo assim Isidore arriscou
que o que estava em disputa eram as mentes dos humanos... Sem dúvida precisava
falar a esse respeito com o chefe Sloat.
(...)
Hannibal Sloat era um sujeito envelhecido... Não havia nada que o
fizesse emigrar para alguma colônia espacial... Tocava a vida por aqui mesmo e
estava como que integrado à poeira que dominava o planeta... Sua pele era
acinzentada, assim como seu organismo, pensamentos e lentes dos óculos que nunca
tirava ou limpava... Sua existência minguava conforme a radioatividade ia
tomando conta de tudo...
(...)
Isidore estava animado a fazer as perguntas a respeito
de Mercer e Buster Gente Fina, e é por isso que logo que chegou ao hospital
dirigiu-se diretamente ao chefe... Ao saber que o empregado trazia “um gato com
um curto na fonte de alimentação”, Sloat sugeriu que ele o levasse diretamente
para o Milt Borogrove... Apesar disso, enquanto ouvia Isidore, deu uma olhada
no exemplar pifado.
O “cabeça de galinha” sentia-se a vontade para falar com Sloat, e é por
isso que foi dizendo que achava que o Gente Fina e o mercerismo lutavam pelas “almas
psíquicas” dos viventes... O outro respondeu que, se assim era, o Gente Fina
devia estar vencendo a peleja... Isidore emendou que até podia ser, mas no
final a vitória seria de Mercer.
Sem deixar de manusear o gato avariado, Sloat quis saber por que o
empregado pensava daquela maneira... Isidore falou que Mercer sempre se
renovava... O “ser eterno” ia até o topo da montanha e mergulhava no “mundo
tumular”, mas no final vencia as profundezas e ressurgia... E isso é o que
ocorria com todos os que participavam da fusão...
Isidore concluiu que, então, todos os praticantes do mercerismo eram
eternos também... Surpreendentemente falou essas coisas sem gaguejar...
Hannibal Sloat respondeu que entre o Gente Fina e Mercer não havia
diferenças... Os dois seriam “imortais”... J.R. não aceitou essa afirmação
porque entendia que o Buster Gente Fina era apenas um homem comum.
Hannibal quis explicar que nenhuma das duas personalidades admitiria,
nem ele mesmo poderia confirmar, mas sentia que, na verdade, os dois eram “entidades
eternas”...
Isidore quis saber a
respeito de Amanda Werner e das outras que participavam dos shows de Buster...
O chefe Sloat disse que também elas seriam imortais.
Isidore não entendia...
Seriam criaturas vindas de outro sistema?
Sloat não tinha resposta para aquela indagação...
De repente proferiu uma série de impropérios...
Finalmente concluiu que o gato trazido por
Isidore não era uma máquina elétrica... Era um gato de verdade... O bicho
estava morto.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/10/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_1.html
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto