sexta-feira, 17 de outubro de 2014

“Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick – J.R. Isidore transporta uma imitação de gato para o hospital Van Ness; a máquina avariada é de perfeição única; até o “sofrimento” da réplica de bichano tornava o “cabeça de galinha” sensível; Buster Gente Fina e convidados nunca saem do ar

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/10/androides-sonham-com-ovelhas-eletricas_99.html antes de ler esta postagem:

Agora vemos J.R. Isidore trabalhando no caminhão do Hospital Van Ness para Bichos de Estimação... Suas tarefas são simples... Basicamente o cliente entra em contato com a empresa e comunica que seu animalzinho elétrico está avariado... Isidore se dirige ao local combinado para recolher a peça e encaminhá-la aos especialistas chefiados pelo senhor Hannibal Sloat.
(...)
O negócio do hospital era o conserto de animais falsos... A cada dia que se passava isso se tornava menos interessante. O ofício do senhor Sloat estava em decadência, mas era dele que retirava o sustento, e graças a ele outros tipos (inclusive o Isidore) tinham emprego...
O primeiro serviço de J.R depois de ter saído de casa foi o transporte de um gato agonizante (na gaiola devidamente protegida contra a poeira) para o hospital... O proprietário, um tipo jovem, não entrou em detalhes a respeito do defeito de seu animal, e também não ouviu nenhuma estimativa do valor que poderia ser cobrado...
O “cabeça de galinha” admirou-se de como o bicho artificial parecia real em seus suspiros... Era incrível como as empresas do ramo caprichavam cada vez mais em suas réplicas... Cada vez mais os seus produtos se pareciam com os animais reais... Certamente aquele gato era dotado de algum “circuito de doença” que até podia sugerir o seu padecimento...
J.R. pensou na dificuldade que Milt Borogrove, o mecânico do hospital, teria para reparar aquele exemplar... Também pensou que talvez fosse melhor “recarregar” o robô, pois isso facilitaria o trabalho na oficina.
É por isso que ele parou o veículo em um terraço... Por algum tempo analisou o bichano... A semelhança com um gato real era notável... O pelo acinzentado era autêntico mesmo, e os demais componentes também não deixavam a desejar... Era como se aquela coisa estivesse “organicamente enferma” em vez de quebrada. J.R. procurou os terminais onde pudesse conectar os cabos da bateria, mas o material era tão bem elaborado que ele nada encontrou... Percorrendo a “espinha da máquina”, tentou encontrar fiação que pudesse cortar e desligar totalmente a peça... Mais uma vez não encontrou nada... Aquilo só podia ser uma produção da Wheelright & Carpenter (este nome não é uma invenção do autor)...
Por fim, desistindo de qualquer manipulação que pudesse diminuir os danos do objeto, J.R. pensou que o cliente devia ter pagado um alto valor por aquela maravilha. Apenas lamentou a pane geral daquela máquina perfeita... Concluiu que ela estava em curto, e que o conserto ficaria bem caro... Avaliou também que o proprietário devia ter sido bem relapso em relação aos cuidados de limpeza e lubrificação. Assim, podia ser que o tipo já esperasse pelo pior...
(...)
Colocando o caminhão novamente na direção do hospital, Isidore já não ouvia o doloroso chiado do gato... Mesmo sabendo que se tratava de uma imitação, ele ficava sensibilizado com o “sofrimento do equipamento”...
Se não tivesse sido reprovado no teste de Q.I. poderia exercer uma ocupação “menos infame”... Nem Hannibal Sloat nem Milt Borogrove se importavam com os “sofrimentos” das peças que consertavam... Isso o levou a concluir que quanto mais “especial” fosse o ser humano, mais sensibilizado ele se tornaria...
Para se livrar dessas reflexões, Isidore ligou o rádio do veículo... Assim ouviria o Buster Gente Fina (este tipo permanecia 23 horas consecutivas no ar; os outros 60 minutos da programação eram preenchidos por cerimônias de despedida e de retorno da transmissão)... O Gente Fina conversava com Amanda Werner, que era uma comediante de voz carregada de sotaque e bem conhecida pelo público ouvinte... Ela, e mais outras tantas mulheres e comediantes de países distantes participavam com regularidade dos programas de Buster... A grande questão que Isidore gostaria de ver respondida era sobre como o apresentador, e também seus convidados, tinham tanto tempo para as gravações de rádio e televisão... Era incrível... Numa ocasião ele calculou que Werner aparecia umas setenta horas por semana no interminável show de Buster... E nunca havia repetição nas falas!
Definitivamente, Isidore tinha várias reservas em relação ao Gente Fina... Mas era o único entretenimento de que dispunha.
Leia: Androides sonham com ovelhas elétricas? Editora Aleph.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas