Os aimoré chegaram e seus ataques foram incessantes... Nuvens de flechas passavam desde a sua posição (do lado de onde estava a escadaria) até o casarão. Os aventureiros se retiraram ao ambiente ao qual estavam acostumados a se acomodarem. Pode-se dizer que entre eles e d. Mariz, e os de sua parte, houve uma espécie de trégua não negociada, pois todos passaram a combater o feroz inimigo comum.
(...)
Dois
dias se passaram e no casarão se instalou toda a família... Na sequência vamos
observar um pouco dos procedimentos de cada um durante as horas de desespero.
(...)
O ambiente havia se transformado
completamente. A vivacidade deu lugar à tensão e à tristeza... Cecília, por
exemplo, teve de abandonar o seu quarto aconchegante (o aposento tornou-se
lugar dos “recursos bélicos” de Peri). As janelas da casa permaneciam
fechadas...
D.
Mariz se esmerava na defesa daqueles que mais amava na vida. Esperava garantir
que nada de muito pior do que já vinha ocorrendo acontecesse aos seus... Contava mesmo ser o último
a morrer para assegurar o respeito aos entes queridos.
À
noite via-se o fidalgo exausto por ter passado horas combatendo aos aimoré.
Sentado na cadeira de espaldar não conseguia dormir, pois sua atenção
voltava-se constantemente à melancólica sala... Refletia sobre o futuro sem
esperança de reverter a situação. Observava Cecília acomodada no sofá e a
menina lhe parecia completamente modificada, como que desfalecida. Dos
descorados lábios da donzela notava o murmúrio de preces... De joelhos, próximo
a ela, estava Peri sempre a zelar por sua segurança.
O
índio não a deixava de modo algum. E durante aqueles dois dias de lutas ele
enfrentou as mais complexas situações que colocaram em risco a sua vida...
Assim havia sido quando se lançou contra um selvagem que, aos gritos, trazia
pânico à sua senhora... Também quando a menina mostrou-se amuada e recusando
alimentação, Peri retirou-se da casa, enfrentou as flechas lançadas pelos
inimigos e penetrou a floresta unicamente para conseguir algum “fruto delicado,
um favo de mel envolto em flores”... A tanta extravagância ele se dispunha para
amenizar o sofrimento de Cecília, que ela se viu obrigada a proibi-lo de sair
de perto...
Apesar
de muito debilitada, ela percebia que o amigo corria riscos demais. Certamente
não suportaria perdê-lo... Além disso, entendia que se houvesse alguma chance
contra os invasores, ela só poderia se concretizar com as inteligentes
iniciativas de Peri... Tudo isso à parte, garantir que ele sobrevivesse era
apenas uma forma de retribuir toda bondade que ele sempre dedicou a ela.
Isabel
permanecia próxima à janela... Ela abriu uma pequena fresta e por ali observava
as manobras de defesa do casarão. É claro que só tinha olhos para Álvaro e era
com ele que se preocupava. A moça corria um sério risco ao permanecer junto à
fresta, que se tornava alvo das flechas aimoré, mas sua aflição em relação aos
perigos que o amado corria era muito maior... Apavorava-se ao notar as setas que
passavam próximas ao rapaz. O seu desejo era ampará-lo, morrer em seu lugar, ou
com ele...
D.
Lauriana passava boa parte das horas a rezar. Por aqueles dias revelou toda a
sua nobreza e coragem... Com muita calma, e animada por sua fé, contribuía
encorajando as meninas, providenciando socorro aos feridos e dirigindo a casa.
Aires Gomes mantinha-se à porta do gabinete. Ali
se posicionou desde que tivera a conversa à parte com d. Mariz. O escudeiro
dormia em pé, mas o menor movimento no ambiente o despertava. Ele mantinha a
mão sobre o fecho da porta e a arma em punho pronta para a ação... Só se
retirava quando o fidalgo se sentava na cadeira junto à porta...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/09/o-guarani-de-jose-de-alencar-momentos.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto