Loredano conseguiu abrir a janela do quarto de Cecília com a ponta da faca... Afastou as cortinas e pôde contemplar a menina mergulhada em sono angelical... O texto descreve os detalhes do enxoval e de sua beleza casta e inocente:
“Chegando-se à beira daquele leito, um homem ajoelharia antes como ao pé de uma santa, do que se animaria a tocar na ponta dessas roupagens brancas que protegiam a inocência”.
Mas Loredano aproximou-se do leito devorado por sua “paixão brutal”... O fogo o queimava... O bruto sentiu-se paralisado... Pôde ver que a menina sorria “talvez nalgum sonho gracioso, nalgum sonho que Deus esparge como folhas de rosas sobre o leito das virgens”...
E Alencar completa o panorama que se evidenciou: “Era o anjo em face do demônio; era a mulher em face da serpente; a virtude em face do vício”.
Nitidamente agitado, o italiano resolveu acender uma vela de cera rosada... O quarto ficou à plena luminosidade e isso fez Cecília virar o rosto para o lado oposto de onde vinha a luz... Loredano contemplou-a, e dessa vez só pensava no rapto... Percebeu que não podia mais perder tempo quando a pequena ave de estimação da menina se agitou em seu pequeno ninho de algodão localizado próximo à cama.
(...)
Precisamos
retroceder a fatos anteriores e entender que no mesmo momento em que Loredano
fora intimado por Álvaro a partir para o Rio de Janeiro, ele tramou tudo o que
foi encaminhado na noite daquela segunda-feira (retornou à casa; acertou-se com
seus comparsas; pediu para Rui Soeiro acompanhá-lo até que atravessasse o
penhasco e entrasse no quarto de Cecília).
Devemos
conhecer o que ele conseguiu transmitir no lapso de tempo entre a ordem de
Álvaro e a exigência de Aires Gomes para que saísse rapidamente. Suas
instruções haviam sido simples: deviam se livrar dos homens que podiam se opor
à ação deles, e isso incluía fazer com que seus aliciados estivessem próximos
dos aventureiros fiéis a d. Mariz à noite... Como a maioria dormia ”na vasta
alpendrada”, não seria difícil garantir essa proximidade... Os capangas de
Loredano deveriam fingir dormir para que, ao ouvirem a senha combinada (sabemos
que era “prata”), assassinassem os oponentes a punhaladas...
Além
disso, Soeiro e Simões garantiram a acumulação de palha junto às portas e no
telhado para proporcionarem um gigantesco incêndio... Rui Soeiro foi eficiente
em relação a esses preparativos, e mais, antecipou-se ao se oferecer para fazer
a vigilância da noite, conforme recomendação de Loredano.
Aconteceu
que Soeiro viu que Aires Gomes e mestre Nunes bebiam vinho no aposento do
escudeiro... O bandido pôde ouvir a conversa em que Nunes revelou que conhecia
aquele italiano, sua história e verdadeira identidade: o misterioso frei Ângelo
di Luca... Aires Gomes considerou diabólica a ousadia que o outro revelou... O
impulso do escudeiro foi o de capturar Loredano e executá-lo... Mas foi
dissuadido por Nunes, que o fez recordar que o outro devia estar bem distante
dali, acompanhando a expedição que se encaminhava para o Rio de Janeiro.
Soeiro
foi além das tarefas que havia assumido... Ele ficou espantado com a história a
respeito de Loredano. Resolveu trancar Gomes e Nunes no aposento... Pensou
sobre o que faria a respeito daquele segredo e achou melhor conservá-lo para
alguma necessidade futura de barganha com o enigmático chefe... Depois de
passar a chave à porta do aposento do escudeiro, Soeiro dirigiu-se para junto
da escada, onde estava o outro aventureiro de vigia para aguardar o retorno de
Loredano.
(...)
Mas
o que havia ocorrido com a expedição que levava d. Diogo ao Rio de Janeiro, da
qual o italiano participava?
Loredano seguiu por umas três léguas sem
despertar a menor desconfiança de d. Diogo, que se esmerava pela rapidez que
sua missão demandava... Ele inventou que a cilha de sua montaria havia se
desmantelado e que precisava consertá-la... Foi assim que conseguiu se separar
do grupo... Então aguardou na mata até que a noite descesse... Só então
encaminhou-se de volta ao Paquequer e deu o sinal que havia combinado com
Soeiro (o pio da coruja)...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/09/o-guarani-de-jose-de-alencar-o-anjo-e-o.html
Leia: O guarani. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto