sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – angústias do manicongo D. Afonso reveladas em “As cartas do ‘rei’ do Congo D. Afonso”, organizado por Antonio Luís Ferronha; fragmentos de carta sobre a descarada armação de Fernão de Melo e Estevão Jusarte para novo golpe ao rei cristão do Congo e seu povo; sobre a feitoria em São Salvador e o alcance da corrupção de Fernão de Melo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

As cartas do D. Afonso, rei cristão do Congo, ao monarca português foram compiladas por Antonio Luís Ferronha e reproduzidas em “As cartas do ‘rei’ do Congo D. Afonso”. Os fragmentos incluídos nessas postagens foram selecionados por José Ramos Tinhorão para o seu “Rei do Congo - A mentira histórica que virou folclore”.
Os documentos nos dão conta dos atos violentos e de usurpação cometidos por Fernão de Melo, donatário e governador da ilha de São Tomé. Muitas vezes o próprio fidalgo tratou de dar cabo às suas criminosas investidas contra o rei cristão do Congo e sua gente, mas houve casos em que ele foi cúmplice de outros estelionatários, como o Estevão da Rocha citado na postagem anterior.
(...)
O golpe protagonizado por Estevão da Rocha deu tão certo que Fernão de Melo arquitetou outro semelhante. Dessa feita enviou ao Congo embarcação em que eram transportados D. Gonçalo e D. Manuel (respectivamente sobrinho e criado de D. Afonso). O navio foi capitaneado por Estevão Jusarte, que o donatário tratou de anunciar como sobrinho de D. Manuel, rei de Portugal.
De sua parte, Jusarte tomou a iniciativa de garantir que o governador de São Tomé era primo legítimo de seu tio monarca em Portugal... Então, não sem motivos, D. Afonso encantou-se com a “ilustre visita” e esforçou-se por demonstrar toda a sua generosidade:

                   “(...) e nós vendo isto folgamos muito com ele porque cuidávamos que era assim como ele dizia e fazemos (fizemos) muitas mercês e o despachamos logo e mandamos ao dito Fernão de Melo mil manilhas e cento (ita) escravos, e de nós ao dito Estevão Jusarte vinte escravos e trezentas manilhas por que nos dizia que era sobrinho de Sua Alteza, e assim lhe demos panos e certas peles de onça e vinte potes de mel e quatro gatos de algálea para Fernão Melo, porque ele nos dizia que se mandássemos a Sua Alteza manilhas ou escravos Sua alteza que haveria memória”.

Convicto de que Jusarte era mesmo sobrinho do monarca português, e que só podia se tratar de um tipo honesto, D. Afonso resolveu aproveitar o seu retorno ao “reino aliado” para enviar a D. Manuel, pelo intermédio de certo João Fernandes, cartas, manilhas e “vinte escravos para em Portugal nos comprar algum vestido por não andarmos vestido como selvagem”.
O texto de Tinhorão esclarece que tão logo a embarcação chegou a São Tomé, Fernão de Melo praticou mais uma de suas maldades contra o rei do Congo e sua gente. Outro trecho da carta de 5 de outubro de 1514 registra que o referido fidalgo português:

                   “lhe tomou a metade das manilhas e noventa escravos, e nos ficaram onze e das manilhas mandou as dar por escravos, e mandou que dessem trinta manilhas por cada escravo, e com tudo e ainda assim João Fernandes tomou aquelas poucas peças e as levou a Portugal, e nos comprou o que lhe mandamos e nos trazia uma arca cheia de seda preta e veludos, a qual arca o dito Fernão de Melo tomou e abriu e prendeu o dito João Fernandes e o mandou a caminho de Portugal e nos mandou a arca vazia”.

(...)
Postagens anteriores mostram-nos que as armações de Fernão de Melo começaram desde que ele
barrou em 1508 a embarcação carregada de preciosidades que seguia para Portugal com os religiosos (padres
Rodrigues Eanes e Antonio Fernandes), que haviam servido no Congo, e mais o filho e o sobrinho de D. Afonso (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_12.html).
Devemos ressaltar que Fernão de Melo controlava uma feitoria em São Salvador, que era a capital do Congo. Não há dúvida de que também a partir dela seus atos corruptos se viabilizavam mais facilmente.
Como vimos (em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_6.html), D. Manuel havia imposto o “regimento real de 1512 “ por ocasião mesmo da investidura de D. Afonso no Congo... Naturalmente o rei português esperava que a legislação inspirada no modelo de monarquia dos europeus estivesse proporcionando uma organização ideal para o protetorado. Mas em vez de notícias boas e positivas, da África só chegavam as denúncias de péssima conduta do governador de São Tomé.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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