segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

“Deus lhe pague”, peça de Joracy Camargo – explicando a ilusão das pessoas com a ideia de que estão “no lucro” quando têm algum dinheiro a mais; os mendigos coletam reduzidas parcelas das sobras dos abastadas e assim podem ser vistos como a “lata de lixo da humanidade”; o velho acumulara riqueza e não via necessidade de “arriscar o capital” na indústria, comércio ou lavoura; a esmola enquanto dívida que a sociedade tem para com o mendigo; o antigo e ultrapassado método de Barata; o estranho mendigo tem um secretário

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/12/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo.html antes de ler esta postagem:

As palavras do velho e misterioso mendigo levaram o Barata a pensar sobre como tipos iguais a ele podiam ser levados a acumular as “sobras da sociedade”. O outro explicou que as pessoas imaginam que “as sobras não fazem falta”, e disse que as mais favorecidas se equivocam com a “ilusão do lucro”... Quando têm mais dinheiro, se percebem “necessitando menos”, todavia quando se veem na necessidade de algo lamentam a condição de “prejuízo”...
O homem deu uns exemplos... Falou que quando não se tem necessidade (ou vontade) de se adquirir um automóvel, não se sente falta do dinheiro equivalente ao custo daquele bem... Então, quando não se tem necessidade o dinheiro que temos parece “lucro”, “sobra”... Disse essas coisas e emendou que os mendigos são “a lata de lixo da humanidade”, pois coletam parcela da sobra dos que são abastados.
(...)
Barata ainda desconfiava da conversa sobre a riqueza do companheiro que acabara de conhecer, e
por isso perguntou mais uma vez. O velho confirmou que era rico e destacou que não era culpado pela acumulação. Mesmo assim continuaria a pedir esmolas? Sim, e pelo resto da vida, pois seu modo de ser o mantinha distante de qualquer risco de falência ou outro sinistro material.
Barata sugeriu que o camarada já devia ter o suficiente para investir em indústria, comércio ou lavoura... Concluiu que o colega poderia permanecer sem se preocupar em arranjar um trabalho. O outro respondeu que não tinha a menor necessidade de “arriscar o capital”...
Mas será que não notava que ganharia bem mais se se tornasse um investidor? A essa indagação ele respondeu que o raciocínio era enganoso.... Disse que nas atividades de produção ou de comércio, quanto mais se ganha, mais se gasta. No caso da mendicância é diferente, pois quanto mais ganhava menos precisava ou devia gastar... Além disso, entendia que o que fazia nada mais era do que cobrar da sociedade o que ela lhe devia... Barata quis saber quanto a sociedade estava lhe devendo.
A resposta foi sucinta e nem um pouco objetiva. O velho disse que a sociedade lhe deve “tanto quanto lhe couber” desde que haja uma “divisão camarada”... Barata pensou na própria condição de mendigo que “cobra da sociedade o que ela lhe deve” e cravou que a gente toda devia estar sendo bem caloteira com ele. O velho sentenciou que o amigo não devia estar sabendo “cobrar” e perguntou-lhe como costumava pedir esmolas... Barata respondeu que fazia como todos os demais: “Uma esmola pelo amor de Deus!”
O companheiro argumentou que aquela fórmula era coisa do passado. Será que Barata não sabia que “Deus” é uma palavra sem expressão? Dizer “Ai meu Deus” é quase um “Ora bolas!” até os ateus dizem “Graças a Deus sou ateu”... Barata concordou enquanto o outro continuou explicando e sugerindo que ele devia falar em “fome”, que é algo que impressiona as pessoas. Insistiu que há milhares de pessoas famintas no mundo (no texto sua fala cita “30 milhões de famintos no mundo”). Alertou que ele devia usar esse expediente em locais onde não há pão ou comida. E isso para que as pessoas lhe dessem dinheiro.
Com acerto, deduziu que Barata vivia a pedir esmolas pelas casas... Explicou que ele não fazia bem, pois as pessoas oferecem restos de comida e de pão desde suas cozinhas. Ensinou que o colega devia fazer como ele, que ia para as portas das igrejas nos dias de missas dos “defuntos ricos”. Para isso devia buscar informações nos jornais.
(...)
Por que aquele estranho mendigo se encontrava àquela hora da noite diante da grande igreja? Barata fez essa pergunta na sequência... Pobre Barata, só mesmo um tipo desinformado como ele não sabia que a igreja estava repleta de fiéis devido ao encerramento do “Mês de Maria”...
O velho retirou um papel do bolso e explicou que “seu secretário” fizera uma lista completa com os nomes das oitocentas e cinquenta pessoas que participavam das celebrações do dia.
Mais uma vez Barata não escondeu o espanto... Então o senhor tem um secretário?
Leia: “Deus lhe pague”. Ediouro.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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