Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/12/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_19.html antes
de ler esta postagem:
O
contexto de conflitos não dava tréguas aos legisladores franceses... Havia as intrigas
políticas e guerras que envolviam Espanha e Inglaterra, além do movimento dos
escravos nas Antilhas.
No final das contas, os deputados franceses, mais do
que movidos pelo sentimento de humanidade ou “puro altruísmo esclarecido”,
formalizaram seus votos na tentativa de defender a posse de sua colônia.
(...)
Apesar de pressionados pelos boatos a respeito da possibilidade de os
ingleses, a partir do movimento pela libertação dos escravos, desbancarem a
França dos territórios coloniais, “os deputados de Paris votaram por abolir a
escravidão em todas as colônias em fevereiro de 1794”.
Podia-se dizer que os
inimigos do abolicionismo ainda tinham fôlego para forçar que se limitasse a
libertação apenas aos negros que se alinhassem às tropas francesas contra os
inimigos espanhóis e ingleses... Acontece que as temáticas em torno dos
direitos se espalhavam por toda França e tomavam conta das mentalidades, assim a
ideia de manter as colônias apartadas da Constituição perdia qualquer
fundamentação. Além disso, evidentemente, seria praticamente impossível barrar
os movimentos sociais de negros livres e escravos por suas demandas em muito
afinadas com a Declaração.
Ainda a respeito da importante decisão de conceder a
liberdade aos escravizados das colônias, podemos dizer que ela foi tomada
depois que os deputados ouviram com atenção as defesas feitas por três enviados
de Saint Domingue (Lynn Hunt destaca que um era branco, outro era um escravo
liberto e o terceiro um mestiço) em favor da emancipação como uma necessidade
urgente. Então a escravidão acabou sendo abolida em todas as colônias do país (como
se verá mais tarde, houve retrocesso) e decretou-se que “todos os homens, sem
distinção de cor, residindo nas colônias, são cidadãos franceses e gozarão de
todos os direitos assegurados pela Constituição”.
(...)
Questiona-se a respeito da compreensão do discurso em torno dos direitos
e sua apropriação por parte dos escravos, mas, certamente, neles, o ideal de
liberdade jamais se arrefeceu e todos entendiam desde sempre que, para que ela
se tornasse uma realidade, deviam ir à luta.
Os deputados que representavam os proprietários nas
colônias compreendiam bem esse fato e não era por acaso que enviavam missivas
secretas aos seus representados e os orientavam a “vigiar as pessoas e os
acontecimentos; prender os suspeitos; apoderar-se de quaisquer manuscritos em
que a palavra ‘liberdade’ seja meramente pronunciada”.
(...)
Toussaint-Louverture foi o liberto que acabou se
tornando líder dos revoltosos e um dos maiores heróis do movimento. Seis meses
antes da abolição aprovada em fevereiro de 1794, Louverture proclamou:
“Eu quero que a Liberdade
e a Igualdade reinem em Saint Domingue. Trabalho para que elas passem a existir.
Uni-vos a nós, irmãos (companheiros insurgentes), e lutai conosco pela mesma
causa”.
No ano de 1802, Napoleão ordenou o envio de tropas numerosas para o
Haiti a fim de restabelecer o escravismo e capturar o líder Toussaint-Louverture,
que acabou sendo transferido para a França e aprisionado em cela fria, onde
morreu a 7 de abril do ano seguinte.
O grande revolucionário
negro tornou-se celebrado pelos defensores da liberdade em todo o mundo... Lynn
Hunt reproduz fragmento de poema de William Wordsworth em homenagem ao
libertador negro:
“[Embora
tu próprio caído, para não mais te erguer,
Vive
e consola-te. Deixaste para trás
Poderes
que lutarão por ti: o ar, a terra e os céus;
Nem
um único sopro do vento comum
Te
esquecerá; tens grandes aliados;
Teus
amigos são o júbilo, a agonia
E
o amor, e a mente inconquistável do homem.]”
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_15.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um
abraço,
Prof.Gilberto