terça-feira, 5 de janeiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Gonçalo Peres e as decepcionantes informações ao manicongo cristão; Fernão de Melo muito ludibriou o rei do Congo, aliado de seu país; o governo corrupto de Fernão de Melo na ilha de São Tomé; Estevão da Rocha e a descarada ação contra o manicongo cristão e os reis de seu pais; trecho da carta de D. Afonso do Congo sobre a afronta e desrespeito do agente de Fernão de Melo


Como vimos, o donatário e governador da ilha de São Tomé, era ambicioso e não titubeou ao explorar e enganar de modo vil o mani D. Afonso que, ingenuamente, esperava contar com o auxílio português.
Vimos que Fernão de Melo enviou ao manicongo cristão aliado de Portugal um navio com presentes desprezíveis. Essa e outras ofensas e ataques foram relatadas por D. Afonso do Congo... Tinhorão destaca que os presentes eram um “chamariz” com o qual o inescrupuloso fidalgo esperava atrair o manicongo para muitas outras “trocas” vantajosas.
D. Afonso do Congo quis saber do capitão-piloto, Gonçalo Peres, se Fernão de Melo possuía navios que pudessem ser carregados de armamentos (bombardas e espingardas) para armar seus homens tão logo queimassem “a casa grande dos ídolos”, pois certamente haveria levantes contra essa medida reformadora da religião. O capitão-piloto respondeu negativamente, mas adiantou que o governador de São Tomé esperava receber do mani cristão carregamentos de tecidos, afiançou que ele os compraria de bom grado e que certamente enviaria a ajuda solicitada tão logo pudesse.
Em nota o livro destaca trecho da carta de D. Afonso em que esclarece o “pagamento antecipado” de “oitocentas manilhas e cinquenta escravos” para Fernão Melo; cinquenta manilhas para sua mulher, trinta para o filho e outras vinte para o capitão e mais vinte para seu escrevente.
(...)
D. Afonso quis saber se sua carta (de 1508; que dava notícias de sua ascensão ao poder e de seu propósito de sincera aliança) que enviara a D. Manuel por intermédio de Antônio Fernandes e do padre Rodrigo Eanes havia chegado ao destinatário. Gonçalo Peres respondeu que os dois homens morreram durante a viagem, “um no mar e outro na ilha de Cabo Verde”.
De 1508 a 1509, o mani D. Afonso aguardou em vão que Fernão de Melo lhe mandasse as armas necessárias para colocar em prática o seu intento de combater as práticas religiosas pagãs em seu reino... Acabou desistindo da ajuda daquele que devia ser um fiel aliado e ordenou a queima dos ídolos o mais secretamente possível.
(...)
A carta de 5 de outubro de 1514 traz registros detalhados das diversas “arbitrariedades e violências cometidas por Fernão de Melo”.
Tinhorão esclarece que por aquela época Portugal já havia deslocado o seu interesse para o Oriente... Ao mesmo tempo, a “burguesia comercial atlântica” passava a atuar com maior voracidade sobre os territórios da África.
Fernão de Melo, por exemplo, governava a ilha de São Tomé como se fosse o próprio feudo e seguia ignorando a vontade de D. Manuel, interpretando-a em benefício próprio.
Na citada carta, D. Afonso do Congo denunciou que Fernão de Melo enviou-lhe certo Estevão da Rocha, apresentado como pertencente à Câmara do monarca português e encarregado (oficial) de encaminhar ao reino tudo o que ele pretendesse enviar a Portugal.
O recorte (da carta do mani cristão do Congo) apresentado a seguir nos dá conta de que a “gentileza” de Fernão de Melo tinha objetivos ilícitos...

                   “(...) e assim mandamos D. Pedro nosso primo e D. Manuel nosso irmão e outros nossos sobrinhos, e mandávamos uma carta a sua Alteza e outra para a rainha D. Leonor, pelos quais nossos parentes mandávamos-lhes setecentas manilhas e muitos escravos e papagaios e bichos e gatos de algálea, o qual estevão da Rocha nos disse que mandássemos a fazenda diante dele (antes dele), a qual nós mandamos e se meteu dentro do dito navio e ele foi depois com os ditos nossos parentes, e tanto que se chegou ao navio e viu a fazenda já dentro (os presentes aos monarcas portugueses) tomou as cartas que iam para Sua Alteza e as botou fora na metade do chão e assim (igualmente) quebrou um braço de um nosso sobrinho que se não queria sair fora do navio e se apegava a ele e assim botou fora o dito D. Pedro e D. Manuel e todos os nossos parentes e se foi com tudo que a Sua Alteza assim mandávamos”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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