quarta-feira, 6 de novembro de 2019

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – outras considerações iniciais sobre o livro; a navegação pelo ocidente africano enquanto empreendimento e parceria entre a nobreza de sangue e a burguesia comercial; em busca do reino do Preste João; “conversão” de Nzinga a Nkuwu e imposição do Regimento de 1512 ao mani Muemba a Nzinga, rei D. Afonso I; escravos em Portugal, identificação com Nossa Senhora do Rosário, novo reino e confrarias espalhadas por todo país

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/11/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes de ler esta postagem:

Uma questão importante que desponta a partir da pesquisa sobre os reis do Congo diz respeito à “criação” desses reis tanto em Portugal quanto no Brasil... Como a própria introdução antecipa, a “criação política artificial” e momentânea (a partir dos interesses portugueses) resultou em tradição popular em locais distantes (isso inclui o Brasil).
Os empreendimentos lusitanos que deram origem às mudanças dos costumes na África têm origem nas navegações que realizaram em direção ao sul deste continente... Vemos Portugal ainda envolvido em conflitos contra os muçulmanos durante o século XV. Os árabes tinham controle de boa parte do Mediterrâneo e o projeto de navegação pelo litoral ocidental da África buscava encontrar regiões livres da influência dos inimigos.
Como se pode depreender, dado que os europeus nada conheciam da região abaixo do “Cabo do Bojador – ao largo da costa Mauritânia, entre o sul das ilhas Canárias e o trópico de Câncer”, houve no pequeno reino cristão um intenso investimento científico e esforço na construção naval. Além disso, algumas iniciativas “jurídico-políticas” foram tomadas junto à Igreja de Roma antecipando providências que seriam demandadas a partir de “inevitáveis conflitos que decorreriam dos choques em terras estranhas com possíveis infiéis”.
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Entrementes, processava-se em Portugal uma aliança fundamental para a concretização do que viriam ser as “Grandes Navegações”... As conquistas realizadas dificilmente ocorreriam sem a parceria entre a tradicional nobreza (de sangue) e os burgueses vinculados ao comércio e às atividades portuárias.
O início da jornada foi mesmo impulsionado pela secular luta contra os “infiéis”... As conquistas ambicionadas eram animadas ainda pela possibilidade de encontrarem o reino cristão do Preste João, muito comentado em documentos diversos e que tinha o potencial de se tornar um grande aliado em terras distantes no combate aos islamizados. Mas, ao ultrapassarem a linha do Equador, em vez do mítico reino, os comandantes das embarcações portuguesas avistaram vasta floresta onde não mais se depararam com negros convertidos ao Islã ou nômades... Subindo o rio Zaire (ou Congo) conheceram nativos dedicados a cultos primitivos que os lusitanos chamavam comumente de “feitiços” (de acordo com nota do autor, este termo era a “palavra portuguesa para designar na África as representações materiais de figuras às quais se atribui a capacidade de realizar desejos humanos, e que modernamente se universalizou sob o nome francês de fetiche).
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A introdução dá conta de que em 1491 o rei D. João II atribuiu ao mani do Congo, Nzinga a Nkuwu (a liderança política local), título cristão e dignidade de rei D. João I... Quatro anos mais tarde, D. Manuel (conhecido como o “Venturoso”) decidiu que o aliado africano devia adequar-se ao modelo europeu. Para levar a cabo este intento, D. Manuel assegurou a investidura do mani Muemba a Nzinga (filho do primeiro rei do Congo) sob o nome cristão de D. Afonso I e, além disso, o fez conhecer e adotar um Regimento (1512) que em tudo replicava a organização conhecida em Portugal... Tal Regimento pode ser entendido como uma “Ordenação disfarçada de sugestões político-administrativas”.
O autor insiste que essa iniciativa inaugurou a “ficção histórica da criação de um Reino do Congo euro-africano”... Dessa maneira conseguia-se afastar os nativos dos avanços do Islamismo ao mesmo tempo que os submetia aos cristãos portugueses em suas terras originais.
Anunciavam-se “interesses comuns”, mas a história registra uma série de reveses aos africanos no trato com os parceiros da Europa... Além disso, da chamada área Congo-Angola foram feitos escravos encaminhados para Portugal e mais tarde para o Brasil. Nas distantes terras, os cativos se viram vinculados culturalmente ao “suposto Reino do Congo”.
Os que foram encaminhados para Portugal identificaram-se com a imagem de Nossa Senhora do Rosário (da igreja dos dominicanos no Rossio, em Lisboa)... Entenderam que o rosário da imagem possuía contas muito parecidas com as que conheciam em sua terra natal – as “contas de Ifá” feitas a partir das cascas de uma árvore que consideravam sagrada e, com elas, consultavam o destino... Logo criaram um “Reinado do Congo” com rei e rainha em Portugal que, conforme o tempo passou, com a chegada de novas levas de escravos, cresceu com a criação de “confrarias de negros devotos do Rosário”. Elas se espalharam por 27 cidades (as principais eram Lisboa e Porto) e se reuniam em torno de 36 igrejas.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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