segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

“Anotações de um Jovem Médico – e outras narrativas”, de Mikhail Bulgákov – um pouco sobre o autor, formação médica e atuação junto aos feridos de guerra; breve estágio em Nikólskoie e Viázma, opção pela literatura e críticas ao Estado Comunista; os contos das “anotações do jovem médico”; a respeito de “Eu matei” e “Morfina”; três casamentos

A produção literária de Mikhail Afanássievitch Bulgákov é vasta e está inserida no contexto de conflitos que marcaram a Rússia ao tempo da Revolução Bolchevique, guerra civil, a “Nova Política Econômica” e stalinismo... Seus contos, novelas e dramaturgia caracterizaram-se pela crítica (satírica na maioria dos casos) ao regime e ao modo como grande parte dos produtores da cultura dita erudita se submeteu à burocracia soviética.
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O autor nascido em 1891 esteve entre os combatentes da Primeira Guerra, tendo atuado como cirurgião em diversas instalações de atendimento aos feridos. Formou-se em Medicina pela Universidade de Kiev às vésperas das agitações revolucionárias na Rússia e pouco depois se instalou na pequena Nikólskoie, a 250 quilômetros de Moscou, onde permaneceu por cerca de um ano e exerceu o cargo de médico-chefe. Passado este “primeiro estágio”, foi transferido para Viázma, em cujo hospital exerceu a chefia “do setor de doenças infecciosas e venéreas”.
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Já por essa época Bulgákov dedicou-se à produção textual... Seus primeiros escritos nos levam às realidades dos pobres povoados que formavam o vasto país do começo do século passado. Podemos conferir alguns deles em “Anotações de um jovem médico – e outras narrativas”, livro lançado pela Editora 34, com tradução de Érika Batista...
As referidas anotações não foram redigidas com o intuito de explicar as alterações políticas que se processaram a partir de 1917, pois o interesse do jovem médico de então era produzir relatos a respeito do começo de sua prática profissional, que logo foi trocada pelo ofício da escrita...
Que não se pense que a motivação para a mudança para a literatura tenha sido a falta de competência médica, pois há relatos que dão conta de que Bulgákov não só era muito bem formado como realizava diagnósticos certeiros e bem-sucedidas intervenções cirúrgicas.
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Logo no início das anotações entendemos que os recém-formados eram encaminhados a unidades hospitalares onde a demanda por cuidados médicos eram crescentes... E quanto mais afastadas de Moscou, maiores eram as necessidades dos sofridos camponeses.
Os povoados eram sempre muito carentes, e como se não bastassem as doenças que normalmente afligiam a pobre gente, amarguravam perdas, feridas e amputações resultantes dos conflitos da guerra que ocorria desde 1914.
Naturalmente esse também era o caso de Nikólskoie, que no texto de Bulgákov aparece com o nome fictício de Múrievo. Nota da tradutora esclarece ainda que “Viázma, a capital da província” é citada no livro com o nome de Gratchióvka.
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No prefácio, Érika Batista recorre a considerações de Marietta Tchudakova, “doutora em Filologia e presidente da Fundação Bulgákov”, contidas em “M.A. Bulgákov, ‘Um coração de cachorro’. ‘A vida do senhor de Molière’. ‘Novelas’. ‘Contos’” para esclarecer mais a respeito do autor.
Assim ficamos sabendo que Tatiana Láppa (1892-1982), primeira esposa (de 1913 até 1924) do jovem médico na época em que ele se instalou em Nikólskoie, deu seu testemunho à doutora Tchudakova a respeito das dificuldades que enfrentaram para chegar à localidade e sobre a gravidade de certos casos que levavam Bulgákov a recorrer desesperadamente aos compêndios de Medicina.
É certo que Tatiana Láppa o ajudara em diversas ocasiões... Todavia ela não é citada nas anotações. Em vez disso, suas intervenções aparecem nas ações das enfermeiras.
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As “anotações do jovem médico Bulgákov” somam sete contos e como se afirmou anteriormente relatam algumas experiências que ele vivenciou durante a sua prática logo após a conclusão do curso de Medicina. São eles: “A toalha com um galo”; “A estreia obstétrica”; “Garganta de aço”; “Tempestade de neve”; “A praga das trevas”; “O olho desaparecido”; “Exantema estrelado”. A estes foram acrescentadas duas narrativas: “Morfina” e “Eu matei”.
Em “Eu matei” temos uma conversa entre médicos na qual um deles, o doutor Iáchvin, faz um relato a respeito de sua dramática experiência por ocasião da guerra civil que ocorreu na Ucrânia à época da Revolução Russa. O texto repercute o conflito dos adeptos da campanha nacionalista, e da causa da independência, comandada por Symon Petliúra contra os bolcheviques... Depois de recrutado compulsoriamente por nacionalistas, o doutor se viu obrigado a tratar de militares feridos do Primeiro Regimento de Cavalaria e a amargurar a espera pelo próprio “fuzilamento por deserção”. Presenciou práticas atrozes ordenadas pelos comandantes até o momento em que teve a oportunidade de se vingar e escapar.
A história de “Morfina” é sobre a angustiante existência de um médico viciado no entorpecente líquido analgésico... O relato bem concebido revela um pouco do que o próprio autor experimentou por certa época.
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De 1925 a 1932, os escritos de Bulgákov foram duramente perseguidos. O conturbado período coincide com o tempo em que esteve casado com Lhubov Belozerskaya, sua segunda esposa.
O autor trabalhou por mais de doze anos em “O Mestre e Margarida”, sua obra mais conhecida e celebrada. Ao final da vida, cego, foi auxiliado por Yelena Chilóvskaia (com quem casou-se em 1932), que redigia o que ele ditava. A produção foi concluída em 1940, ano de sua morte, e publicada nos anos 1960 como a maioria de seus textos.
Leia: “Anotações de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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