(...)
O autor nascido em
1891 esteve entre os combatentes da Primeira Guerra, tendo atuado como
cirurgião em diversas instalações de atendimento aos feridos. Formou-se em
Medicina pela Universidade de Kiev às vésperas das agitações revolucionárias na
Rússia e pouco depois se instalou na pequena Nikólskoie, a 250 quilômetros de
Moscou, onde permaneceu por cerca de um ano e exerceu o cargo de médico-chefe.
Passado este “primeiro estágio”, foi transferido para Viázma, em cujo hospital
exerceu a chefia “do setor de doenças infecciosas e venéreas”.
(...)
Já por essa época Bulgákov dedicou-se à produção textual... Seus
primeiros escritos nos levam às realidades dos pobres povoados que formavam o
vasto país do começo do século passado. Podemos conferir alguns deles em
“Anotações de um jovem médico – e outras narrativas”, livro lançado pela
Editora 34, com tradução de Érika Batista...
As
referidas anotações não foram redigidas com o intuito de explicar as alterações
políticas que se processaram a partir de 1917, pois o interesse do jovem médico
de então era produzir relatos a respeito do começo de sua prática profissional,
que logo foi trocada pelo ofício da escrita...
Que não se pense que
a motivação para a mudança para a literatura tenha sido a falta de competência
médica, pois há relatos que dão conta de que Bulgákov não só era muito bem
formado como realizava diagnósticos certeiros e bem-sucedidas intervenções
cirúrgicas.
(...)
Logo
no início das anotações entendemos que os recém-formados eram encaminhados a
unidades hospitalares onde a demanda por cuidados médicos eram crescentes... E
quanto mais afastadas de Moscou, maiores eram as necessidades dos sofridos
camponeses.
Os povoados eram
sempre muito carentes, e como se não bastassem as doenças que normalmente
afligiam a pobre gente, amarguravam perdas, feridas e amputações resultantes
dos conflitos da guerra que ocorria desde 1914.
Naturalmente esse
também era o caso de Nikólskoie, que no texto de Bulgákov aparece com o nome
fictício de Múrievo. Nota da tradutora esclarece ainda que “Viázma, a capital
da província” é citada no livro com o nome de Gratchióvka.
(...)
No prefácio, Érika Batista recorre a considerações de Marietta
Tchudakova, “doutora em Filologia e presidente da Fundação Bulgákov”, contidas
em “M.A. Bulgákov, ‘Um coração de cachorro’. ‘A vida do senhor de Molière’.
‘Novelas’. ‘Contos’” para esclarecer mais a respeito do autor.
Assim ficamos sabendo que Tatiana Láppa (1892-1982), primeira esposa (de
1913 até 1924) do jovem médico na época em que ele se instalou em Nikólskoie,
deu seu testemunho à doutora Tchudakova a respeito das dificuldades que
enfrentaram para chegar à localidade e sobre a gravidade de certos casos que
levavam Bulgákov a recorrer desesperadamente aos compêndios de Medicina.
É certo que Tatiana Láppa o ajudara em diversas
ocasiões... Todavia ela não é citada nas anotações. Em vez disso, suas
intervenções aparecem nas ações das enfermeiras.
(...)
As “anotações do
jovem médico Bulgákov” somam sete contos e como se afirmou anteriormente
relatam algumas experiências que ele vivenciou durante a sua prática logo após
a conclusão do curso de Medicina. São eles: “A toalha com um galo”; “A estreia
obstétrica”; “Garganta de aço”; “Tempestade de neve”; “A praga das trevas”; “O
olho desaparecido”; “Exantema estrelado”. A estes foram acrescentadas duas
narrativas: “Morfina” e “Eu matei”.
Em “Eu matei” temos uma conversa entre médicos na qual um deles, o
doutor Iáchvin, faz um relato a respeito de sua dramática experiência por
ocasião da guerra civil que ocorreu na Ucrânia à época da Revolução Russa. O
texto repercute o conflito dos adeptos da campanha nacionalista, e da causa da
independência, comandada por Symon Petliúra contra os bolcheviques... Depois de
recrutado compulsoriamente por nacionalistas, o doutor se viu obrigado a tratar
de militares feridos do Primeiro Regimento de Cavalaria e a amargurar a espera pelo
próprio “fuzilamento por deserção”. Presenciou práticas atrozes ordenadas pelos
comandantes até o momento em que teve a oportunidade de se vingar e escapar.
A
história de “Morfina” é sobre a angustiante existência de um médico viciado no
entorpecente líquido analgésico... O relato bem concebido revela um pouco do
que o próprio autor experimentou por certa época.
(...)
De 1925 a 1932, os
escritos de Bulgákov foram duramente perseguidos. O conturbado período coincide
com o tempo em que esteve casado com Lhubov Belozerskaya, sua segunda esposa.
O
autor trabalhou por mais de doze anos em “O Mestre e Margarida”, sua obra mais
conhecida e celebrada. Ao final da vida, cego, foi auxiliado por Yelena
Chilóvskaia (com quem casou-se em 1932), que redigia o que ele ditava. A
produção foi concluída em 1940, ano de sua morte, e publicada nos anos 1960
como a maioria de seus textos.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras.html
Leia: “Anotações
de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto